sábado, 12 de novembro de 2011

pesadelo


                Eu simplesmente não consigo acordar desse pesadelo e tô até pensando que é isso que costumam chamar de vida. O inferno é aqui. Abro os olhos tardiamente todos os dias. Durmo acordado até quando meus ossos doem por afundarem na cama.  Durmo na espera de acordar de vez, acordo e continuo sonhando. As cores parecem mais mortas que no próprio sono. O vento só toca a crosta de calor que envolve o corpo. Meu corpo pesa mais que nunca. Carrego pelo mundo o peso dos meus olhos tristes. A dor nas articulações magras e gastas – porque se lixam umas nas outras – parece o último resquício de vida. A gravidade pesa mais que nunca. Nossas paredes de concreto represam qualquer forma de vida. Eu tento olhar além e buscar cores de realidade, mas, meu deus, o pesadelo embolora todos os cantos.  A miséria do homem em todos os sentidos, a morte como o novo produto, a desimportância de ser. As bem reputadas prisões verticais que nos impedem de enxergar o que havia antes a cima, o céu. A massa negra sob nossos pés aumenta o impacto entre nossos ossos. O mapa verde e azul me parece marrom em toda sua parte, o verde queimou-se em dinheiro e o azul contaminou-se em lixo. Marrom. Os animais gritam sem controle à nossa morte e com razão. A insanidade do que já não se lembra o quê. Um mundo em que se espera o fim em nada ou em baratas não podia mesmo passar de pesadelo. Talvez não se possa acordar.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

parte


Os nossos corpos são as contenções das nossas existências. A nossa pele é a última capa que nos faz (à) parte. Enfim, estamos aqui, (à) parte. E a vida pare todos os dias, ao abrirmos nossos olhos, um mundo valente e cru, eternamente maior do que nossas existências. Algo em nossos olhos é ansioso. Alguns dias, algo em nosso olhos expele toda essa ânsia, dias em que nossos corpos não conseguem conter a força da vida. Nós rompemos o limite de nossos corpos e nossos corpos ainda nos contem. Não é fácil suportar a vida quando a vida pra nós é ímpeto desmedido. Os corpos não suportam a vida: morrem aos poucos. Somos (à) parte. Somos partes que afirmam suas existências no vazio do outro. Somos partes completas que formam um todo. Algo em nossos olhos não vai parar de ser ânsia, mas meus olhos agora se apoiam nos teus e a vida parece mais simples, então. E o que vai ser depois não se sabe. 

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

palavras a alguém importante


oi, amigo!
Eu parei pra pensar em como responder a tua pergunta simples 'como tá?' e acho que posso dizer que tô melhorando, sem pressa, mas tô dando um jeito. Algumas coisas me irritam, outras me anseiam e outras me entristecem. Mas no meio de banalidades eu tenho gostado de mim, de algumas pessoas, dos meus dias. Numa conversa besta, dividindo momentos com pessoas boas, ouvindo música pela rua, me deixando apaixonar pelo meu professor de inglês, haha... Em banalidades, como os sentimentos mais puros são realmente exprimidos... Não sei se acredito em declarações de amor ou demonstrações intencionais, ou momentos especiais (além de não saber lidar com isso tudo, eu sempre travo e deixo coisas por dizer. Aliás esses dias que eu não tava bem, escrevi um e-mail pros meus pais, pra eles lembrarem do quanto eu amo eles. Mas eu não mandei. Depois de bastante tempo eu percebi que na minha família o amor não se diz, se vive. Por exemplo, quando tive em Blumenau pela última vez minha mãe me viu chorando. Depois de um tempo ela veio no meu quarto, falou sobre coisas engraçadas e disse que pediu uma pizza. Ela tava dizendo que me ama.)
Apesar de estar deixando de ser tão cético nas coisas que eu não posso ver, eu ainda dou muita importância àquilo que eu posso sentir. E o que eu mais consigo sentir é me sentir bem do lado de alguém, é pertencer. Tudo isso num almoço com alguém, ou em ficar mais cinco minutos ali só pra passar um tempo a mais com alguém. E isso pra mim é amor, é o próprio ato e a própria prova de amor. Me sinto melhor em conseguir desapegar essa necessidade de colecionar belos acontecimentos, porque o que e é a vida em sua maioria se não a banalidade dos dias?
Não que eu esteja desmerecendo os momentos especiais, acho que eu só não tenho me cobrado por não acontecerem... e menos ainda tenho forçado isso.. a beleza desses momentos se dá justamente na raridade em que eles existem. É mais simples: tô valorizando o que é recorrente e aliviando as expectativas do que é raro.
Escrevi demais, não quero parecer egoísta. Mas acho que isso pode te ser útil e fazer sentido pra ti também. Não sei. 
Como tu tá? Eu vou ficar bem feliz de ver uma resposta tão ou mais detalhada quanto a minha, se for tua vontade, claro! Tá aproveitando tua família? Tá fazendo algo útil? Tá vendo teus amigos? Aproveita bem, mesmo. Às vezes dá uma preguiça de sair do conforto de si mesmo, mas acho que vale a pena... Às vezes a situação não é exatamente como a gente gostaria que fosse, mas ainda assim tem sempre alguma coisa que se pode admirar e contemplar, enfim, viver. O tempo é ruim se a gente for ruim com ele. Então é bom aproveitar os dias, se permitir ser mais sensível (o quanto eu sei que tu é, por exemplo) e de fato viver, não só esperar os dias passarem. Não sei se isso faz sentido, mas espero que sim, se não eu vou ficar me sentindo meio imbecil, haha.
Eu ainda não baixei o novo CD da Florence. Amanhã vou baixar...
Se cuida, fica bem e aproveita teus dias,
com carinho,
Marco.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

nojo das rugas



Algumas coisas são tão recorrentes. Com uma latência. Eu entrei na casa e não tinha percebido que o teto tinha se desprendido e eu parecia mais perto do céu. Mas é que a sobridade não nos permite viver assim até por uma questão de saúde e segurança, e daí era sensato consertar aquele forro capenga, antes que o teto desabasse sobre nossas cabeças antes que fosse tarde demais. 
Latência é a diferença de tempo entre o início de um evento e o momento em que seus efeitos tornam-se perceptíveisjá diriam as ciências de todas as respostas; como a gravidade e o tempo na pele caída enrugada seca manchada e marcada, um corpo com pouca vida de uma velha nua, magérrima, completa e entregue, com resto de pelos, resto de vida, resto da liberdade que pode suportar, mãos que já foram abertas voltadas para frente sem vergonha e sem medo do fim, não sorri não é triste não ama não odeia não se martiriza, não tem cara: está nua diante de todos e mesmo quase morta causa o mesmo efeito do primeiro grito de vida do recém-nascido.
Eu me surpreendi como existe sujeira entre o teto e o telhado da casa, onde a gente não vê e a mão não alcança, ali. E de latente se tornou enorme, ali, em cada buraco no forro, a sujeira no chão em cima dos móveis, com urgência sem licença. Chega uma hora que não há remendo que segure e não há olho que não veja, tá ali, aberto exposto, mais visível que a maresia que às vezes costuma me incomodar, encebando o piso que parece sempre molhado. Urgências. Eu sempre achei que a morada estava limpa, e no entanto tem sempre alguma coisa que fica, uma combinação um acúmulo do pó que foi a gente um dia com a maresia que gruda no que é palpável e um dia aparece. Latência.
O fato é que o tempo passa o pó clareia os móveis a pele cria rugas o branco amarela o verde seca. O teto desaba. Até ontem parecia estar tudo bem. E de repente. Quando foi? Eu nunca reparei. É maior do que eu imaginava. Tão latente quanto uma doença sem sintomas. A gente põe a mesa e toma café, assiste à tv, fala pouco depois da janta, mas é que o teto continua a cair. Daí a gente fica assim, nada é tão estranho nem tão normal.
Às vezes é preciso lidar com o que não presta. Às vezes é preciso se deixar sujar. Às vezes é preciso ser aberto com o que a vida dispara sobre nós. Com o que um dia já nos fez parte. Eu olhei pro teto que não deu certo e encarei e levantei o teto com muito trabalho. É certo que um dia o teto vai voltar a cair. Eu vou dizer olá pra toda sujeira que se esconde acima do forro, eu vou lidar com o que eu não gostaria de ver e depois de algum tempo de latência e com novos olhos eu preciso fazer alguma coisa pra que eu continue cabendo dentro de casa.   E assim a gente vai vivendo, lidando com a vida, adquirindo marcas manchas rugas ganhando e perdendo pelos. Não foi fácil escolher ser assim.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

corre


Ela diz que sente vontade de algo que não existe. Às vezes prefere fechar as cortinas e se encerrar em si. Passa um dia inteiro entre palavras não ditas, tentando mensurar o que tem por dentro. Ora, meu anjo, as tripas dos animais não são tão diferentes das suas.
Ela diz que tem dormido muito e muito mal. Ela está doente. Acredita que pode morrer a qualquer momento mas não é capaz de se permitir viver o quanto pode. Como consegue persistir nisso? Aprendeu a fechar os olhos quando sente dor, como se aliviasse. E desde então passou a cerrar cada vez mais seus olhos. Abre os olhos agora, aproveita que ainda podes ver a luz! Então caminha, sem saber ao certo, vai. Abre essas cortinas, abre as janelas, abre a porta e vai. Corre pela rua, sente o vento, a dor, o calor do teu corpo ao suar: estás viva. Te emociona com as crianças e sente que a vida pode continuar pulsando de alguma forma. E então corre! Com força, com vontade. Meu anjo, não liga se vais parecer estranha aos olhos deles: corres tão rápido e eles não costumam notar as coisas como tu sentes.
Ela sabe que costuma ver além do que se vê. Ama e sofre ser assim. Mas fechar os olhos não a torna como os outros. Ainda é noite. As cortinas continuam fechadas. Quem sabe amanhã. Quem sabe ela possa abrir os olhos e redescobrir nas cores, uma razão para abrir as cortinas todos os dias, seja quantos forem 'todos os dias'.

domingo, 18 de setembro de 2011

recorte profundo. 1.


Fiquei procurando, numa lista de nomes que de alguma forma me são comuns, alguém pra dar boa noite. Tão cheio de alguma ausência que me fez buscar alguém pra me dizer sem querer, sem nem saber, quem eu sou. Alguéns. Eu buscava alguns nomes. Eu buscava um pouco de mim. Não encontrei e fui dormir sem saber.

no entanto continua vivo


O silêncio era capaz de derreter os seus ossos fracos, que já não faziam questão de permanerecem inteiros. As lágrimas nos olhos distorciam toda a realidade. As luzes dos carros pareciam faíscas de vida, mas estavam longe, como num quadro. Ele lembrava que o tempo passava, ele lembrava que existem tantos outros tão melhores que ele, a ponto de sentir culpa de ser amado por seus pais. Ele não tem nada mais a oferecer. Ele forçava uma válvula de escape enquanto lembrava de tudo que havia perdido e fracassado. Não consegue mais sentir dor. A casa borrada pelas lágrimas nos olhos o afastam da realidade do amanhã. Ele já tem uns tantos anos e está sozinho. Ele não tem nada melhor a dizer. You don’t have to feel guilty. Foi longe demais, o mais próximo da morte que já havia ido. Esqueceu como se ama. Esqueceu como se é triste. Esqueceu como se é feliz. Esqueceu como dói a dor. O jogo já devia ter acabado. No entanto continua vivo. No entanto, não existe nenhuma razão.

domingo, 17 de julho de 2011

Ele existe em algum lugar

Férias nos hospitais da cidade. Eu não quero saber da minha doença, se eu estiver doente. A ferida cresce como um fungo, silenciosa, e eu a escondo, a dor é recorrente, e eu a escondo, os médicos estão chegando e eu a escondo, eu a escondo de todos eu a escondo de minha mãe eu a escondo de mim mesmo em palavras como 'não tem nada a ver'. Ele parecia me odiar sem me conhecer. Ele parecia odiar o mundo sem o conhecer. Porque eu odeio o mundo sem o conhecer. Eu só queria tirar seus óculos pra pisar em cima pra deixar ele de quatro e com a bunda de fora de novo. NA. M de um nome bonito e cabelo raspado e de 90. ainda não combinei nossos signos porque afinal, foda-se. Os médicos estão chegando e eu rio escondendo coisas que não existem. Ele me olhava com a mesma superioridade que eu olhava o mundo e então estávamos nós no mesmo nível. Aquele que diz diz: Nível não é nivêl. Aquele que diz realmente acha que o espanhol é uma língua feia. Os médicos estão chegando e eu rio escondendo coisas que não existem. Eu odeio o mundo sem conhecê-lo. Eu o conheço e eu o amo porque entre tanta gente chata ele parece tão entediado quanto eu. Eu sorrio pra tantas falas belas, construtivas, claras, coerentes enquanto não as ouço. Alguém disse que somos intelectuais e eu nem acreditei, ainda bem que alguém repetiu. Eu não costumo confiar em mim mesmo. Eu dizia que somos todos idiotas enquanto sorria como quem concorda com a bela fala construtiva de alguém. Essa mania de platonizar é a minha forma mais agradável de não viver. Eu vou dizer pra ninguém que ele irá me visitar, ninguém vai ver as fotos dele tentando imaginar como seria possível eu e ele. Ninguém vai morrer de inveja e eu vou me sentir por cima. ninguém vai me cumprimentar com muita falsidade dizendo: vocês formam um casal lindo e eu vou agradecer ninguém e eu vou ser feliz e eu vou estar pronto pra começar a viver. Hoje eu sei que continuo escondendo coisas que não existem. Nós odiamos o mundo e não o conhecemos, nós nos odiamos e não nos conhecemos. Eu não vivo e nós não vivemos juntos. juntos. juntos. nós não vivemos juntos. nós juntos. Os médicos estão chegando e o medo torna-se maior. Não há medo da morte, há medo da dor. da dor em saber que a doença que não existe não existe. saber que nada que não existe não existe. ele não odeia o mundo, ele não é a minha doença e ele não vai me matar. nós não não vivemos juntos. ele vive em algum lugar. pra mim ele não existe. tanto quanto eu. mas os médicos dirão: ele vive em algum lugar. branco espera plástico descartável contaminação número dor ferida pulsa mata congela como se não doesse. fala construtiva de alguém. adia cuida de matar depois. humilha porque cuida de matar depois. Eu não vivo. Ele existe em algum lugar.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

sim, é você

Você podia ser a minha nova promessa pra 2011. Roteirista, diretor, ator, o meu 'melhor de você'. A tv falava outra língua enquanto ele pensava no rapaz que tinha no mínimo, admitido sua existência. Fazer comida o tornava um pouco mais vivo. Ele dormiu a tarde toda, ele podia dormir a tarde toda, mas a culpa em não viver o tornava nem vivo nem morto, o tornava sonho. Mas agora era vivo, era vivo pra ele enquanto cozinhava e vivo pro rapaz, enquanto pensou em algo que ele disse. Será que ele disse meu nome? No mínimo mentalmente, será que ele disse meu nome? Enquanto lia, será que me achou interessante? Eu não esperava tanto daquele rosto vazio de criança despreocupada e em outras fotos, rosto de homem que é maior que o mundo. No mesmo mês e separados por um signo. Aquário não lhe caía bem, ele sabia. Na mesma cidade, e separados por um bairro. No mesmo curso e separados por uma universidade, e todas essas coisas. Ele lembrou da vez em que passava frio ao lado de várias pessoas que passavam frio, incapazes de se abraçar. Ele lembrou do atraso enquanto corria pra alcançar o ônibus enquanto os desconhecidos de sempre passavam de carro pelo mesmo itinerário. Ele lembrou que a vida é a concretização das não-concretizações. Ai, ele lembrou agora que deve acordar cedo amanhã. Eu amo esse filme. Eu também gosto de Alanis. Parabéns, você esteve ótimo. Não me pergunte e não questione mas eu só quero te beijar. Oi. Como é o curso aí? Gostou da oficina? Eu também. Eu também. Eu curti isso. Eu não curti isso mas finjo que curti pra que você pense o meu nome mais uma vez. Não desvia o olhar enquanto eu tiver coragem de fixar os meus olhos no teu rosto de presa. Porque eu sei que você vai crescer e me assustar e me amedrontar e me matar um dia, no melhor estilo 'eu gosto de morrer se for olhando pro teu rosto de caçador'. Porque eu sei que você não existe. Acabe comigo.

domingo, 15 de maio de 2011

pensar em voz alta II

a: Voltou a chover aqui. A chuva torna as coisas mais escuras, menos nossas. Acho que choveu a noite toda, alguém ouviu? Pode chover toda chuva que houver mas o fato é que de noite eu não consigo ouvir. Então de manhã eu descubro a chuva nas marcas da chuva, no asfalto carimbado pelos pneus molhados, mostrando rastros que nossos olhos preferem ignorar ou ver de uma outra forma. Ué, choveu ontem à noite?

b: De manhã parece sempre uma nova chance. A água da chuva é desvirginada desfigurada apodrecida assim que encosta algo que faz parte desse mundo. Desvirginada desfigurada apodrecida agora a chuva. Agora a chuva é mais que antes. Seja como for. Os carros tratam de secar as ruas com pressa, sempre com pressa, e pedindo silêncio fazendo barulho. Muita pressa, muito barulho e pouco silêncio. Os ponteiros do meu relógio, uma linha horizontal onde ver os ciclos se repetindo parece muito mais difícil.

c: Mas de manhã parece sempre uma nova chance. Eu ando e vejo a água suja de ontem parada nos bueiros junto com muita sujeira. Eu tô falando sobre 'asfalto e a nova cidade' e 'impostos e governos e consciências' e 'hoje e ontem que ainda tá aqui'. Também tô falando de 'muita vazão pra pouco escape'. As poças são do chão com uma propriedade de mais ninguém. As poças são os espelhos do céu; não, de tudo que se põe a cima. Mas a realidade das poças é diferente diferente da nossa realidade. Em comum: as realidades são sujas, desvirginadas, desfiguradas, apodrecidas. Depois evapora e não se sabe muito bem. Volta? Volta. Sem saber. Volta.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Pensar em voz alta I

Eu ando cansado. Quanto mais o tempo passa e menos eu o tenho para exercer a vida, de fato; mais eu tenho percebido que sou uma carcaça que movimenta meus pensamentos, ímpetos e desejos de algo maior. Hoje eu me senti um possível mártir de uma classe. Logo depois eu me senti um nada, diante da beleza torta, da ingenuidade de pensamentos daquele travesti. Me pareceu tão confuso e acreditado de qualquer verdade que o dissessem... Ele morreria por uma causa. Uma cabeça confusa e mil ideias na cabeça. Algumas eu penso que virão a ser ações. E eu me pergunto, por que tanta dor de cabeça, comprimindo tudo que é possível no meu crânio? Algo já me disse desde sempre que o meu grandioso ato tão esperado é nada além de sonho e nada além dele eu admito realizar. Nada. Não, não é nada.

sábado, 23 de abril de 2011

plebeu mal-cheiroso

A gente junto tem cara de desencontro. E engraçado que já passou da época que eu imaginava a gente junto. Mesmo aquela época, a gente junto e havia um abismo entre nós. Vários abismos. Eu nunca tive coragem de pensar em 'nós', a gente junto, pra mim, era 'eu e você'.
Você me disse 'eu fujo de lá e você corre pra lá' e eu só pude achar que isso tinha, digamos, uma força literal; digamos que eu poderia escrever sobre isso com um sorriso sacana no rosto, bem do jeito que eu gosto. Aliás eu adoraria que você deixasse de ser interessante. Porque a tua beleza já me cansou faz tempo (tirando que tuas tatuagens estimulam em mim um fetiche que eu gosto de chamar de obscuro. Naquela época não tinhas - graças a Deus, porque eu iria mais longe, sabe-se lá onde.). Eu já conheci uns trinta e seis caras do teu tipo mais gostosos que você. A beleza em si é previsível e, meu bem, você já perdeu a pose faz tempo.
Mas, sabe? Eu não sei. Eu queria saber. Eu ainda despendo tempo aqui, escrevendo sobre o nosso desencontro. Eu ainda faria esforço pra você dormir lá em casa. Eu voltava 'de lá' mais cedo. Porque o fato de você ser um mistério indecifrável - e que assim seja, meu bem - cria entre nós um abismo. Sempre a um triz ou um abismo de poder conhecer, deveras: conhecer para dominar. A sua beleza é a mesma - tirando suas tatuagens mal feitas - mas você se torna cada dia interessante de outro jeito, do jeito que eu adoraria conhecer. Das suas novas frases e fases, das suas novas músicas e dúvidas, das suas novas drogas e fodas. Sempre novas. Sempre indefinidas. Sempre um 'eterno vir-a-ser'.
Numa lógica simples e impensada, você parece suprir o que eu quero: o meu buraco negro insaciável e o seu sempre-novo jeito de vir-a-ser. Então no mais baixo nível água com açúcar eu me vejo com instinto de sentir o teu cheiro encher as minhas mãos, a boca, de você. Mas fica chato terminar assim, de quatro, depois de tanta formalidade. Acho que cabe eu contar uma história:
No tempo em que eu fora pequeno príncipe, de todo aquele amor gratuito e inexplicável - porém real, nem eu mesmo acreditara naquilo: 'meu amor, nós nos encontramos na hora errada, e eu ainda te espero n'algum outro tempo'. Eu não acreditara, mas fora verdade. A verdade de um tempo atrás. Hoje a verdade é outra e muito menos romântica, como você sabe; mas eu confesso que a-do-ra-ria te ter agora, nesse outro tempo: o meu maior prazer seria te mandar ir embora, depois, sem remorso, sem dor, com o sorriso sacana no rosto.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

a roseira e o dente

Descobri uma roseira aqui atrás da janela do meu quarto, em Blumenau. Engraçado, eu to passando minhas férias aqui e não tinha notado ela, ali, o tempo todo. Eu to pensando demais em mim. Não, isso é só uma constatação, eu não vejo como um erro ou um acerto, porque todo mundo tem argumentos prontos contra os extremos, daqueles que só saem da boca e todo sub-consciente já conhece e já concorda. Se duvidar, a boca do ouvinte do discurso pronto pode até completar um desses quando pela metade. E seria exatamente igual, palavra por palavra.
Mas, ai, eu não quero me perder por aqui, ler alguma coisa sem sentido e deletar tudo e esquecer que eu to precisando escrever não é de hoje. Eu to precisando escrever não é de hoje e eu tenho pensado muito em mim, acho que fica claro que essas duas sentenças são bem complementares. E pra não me perder, melhor, pra me achar e fazer sentido, eu vim escrever sobre mim porque consegui me desvendar um pouquinho através do meu olhar triste sobre uma roseira. Eu me sinto como alguém que puxa um fino fio de uma toalha de mesa grande diante de algum detalhe simples e completo que a vida apresenta num cantinho do quadro que eu pinto todos os dias pelos meus olhos que são meio castanhos, meio verdes, é que depende do dia, da hora, da irritação ocular.
Antes de continuar eu só preciso constatar que queria ser assim verborrágico pessoalmente também, mas o que sobra é um silêncio de alguém incompleto, pronto a todo momento pra ouvir a frase que vai encaixar tudo no lugar, que vai dar sentido pra vida inteira. Daí ele vai ser feliz. Ai, ele sou eu, num conto bonito de livro em que nem tudo é verdade e acontece como descrito.
Mas eu vim aqui pra contar do detalhezinho bonito que eu enxerguei hoje: talvez ela tenha 15 centímetros, galhos secos, e tá decepada, mutilada. Eu não achei triste, pelo contrário, gostei da capacidade de ser real que a roseira feia tem. Eu só entendi que era uma roseira pelos espinhos nos dois galhos, marrom-morte. Tem aquela frase, ‘num deserto de almas, uma reconhece a outra’ e por aí vai, eu acho que me senti assim com a roseira, ela me sugou os olhos e eu só gostava de olhar pra ela. A gente partilhava mesmas coisas. Tem algo, em ambos, que denuncia uma beleza tardia, efêmera, que deixa marca nem sempre agradável. Os espinhos me diziam rosas. O que sobra hoje é seco. Não é triste, é seco. Não é morto, porque ainda sente a chuva.
Chuva que por sinal passou por aqui, daquelas de verão, muito barulho e cenário pra pouca existência do que se teme. Gosto de boas apresentações, creio que valorizam o que se é em essência. Boas ou más apresentações. Gosto de extremos, combatidos automaticamente pela inércia da maioria insensível. Mas eu gosto, me dou bem com as extremidades uma vez que não me mantive no centro, das atenções, dos olhares. Gosto de força, de temperamento, de tempero...
Enquanto chovia eu fui à janela impetuosamente, sem medo de que a chuva molhasse o meu quarto, um cuidado que eu normalmente prezaria. Me inclinei, aspirei com força e mais de uma vez, daí eu senti o cheiro da grama molhada. Isso me deixou bem vivo. O cheiro, as lembranças da grama cortada na escola, a chuva na pele normalmente me deixaria mais sensível, eu olhava a roseira e só conseguia ser como ela, com uma fúria de vida que há tempos eu não via. Naquele momento, nós éramos mais fortes que o resto do mundo.
Sem indagações eu aprendi com a roseira. Ela está seca, e talvez isso dure mais algum tempo, alguns meses, alguns anos. Mas enquanto a chuva existir vai haver vida também, pra ela. Em busca das rosas de outrora, ou do novo que possa surpreender. Em busca: isso é mais definitivo.
Algumas outras vezes eu abria a janela sem dúvidas, sentia o frescor da tempestade passada, até quando decidi manter a janela aberta. Não me preocupo com danos se isso me trouxer mais vida. O cheiro agora mistura a chuva, a grama, e o esgoto ali perto. Eu me lembro que a plenitude, mesmo parecendo a maior grandeza da vida, é por certo um detalhe efêmero. Um dente-de-leão, ao vento. Um daqueles ali, que só percebi depois diante da vulgaridade ao lado da roseira imponente. Ele percebeu, depois de algum tempo, que agora se parece mais com um dente-de-leão: livre – e ciente do que é ser livre. Segue ao vento, sozinho, rápido e vivo, dure o tempo que durar. Até que chega ao chão, segundos depois, ou mais. Quando o fim simboliza o recomeço. Ele agora está só e ao vento, ele agora está pleno.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

verborragia I

Era verdade era tudo verdade. Frases de impacto envolvendo grandezas. Era verdade, eu sinto na persistente existência indesejada de tudo aquilo que sempre diziam que era real enquanto eu não acreditava. Um bloco completo de prós e contras e o jogo começa a ficar um pouquinho mais sério a tal ponto de tudo – eternamente inalcançável por um triz - ou nada. Nada mesmo. Tudo aquilo que sempre dizem. Mesmo que desnecessariamente, lembro a diferença entre sentir em todos os sentidos poros respirações palpitações pensamentos de ‘acho que to tendo um ataque porra eu to escorrendo onde fica a parede mais próxima eu realmente não quero morrer agora estou desenvolvendo jogos de vídeo game de duelos tive que acordar pra parar de visualizar mais vezes a mesma cena que se repetia sistematicamente ouvindo assuntos familiares gerados de uma visão limitada do todo todos os carros tão fazendo um barulho ameaçador quadrados azuis formando um xadrez com coisinhas dentro dos quadrados como frutinhas e eu vejo exatamente como tu e na pior das hipóteses se não voltar ao normal eu me acostumo a ficar assim’ e simplesmente ouvir falar. Agora eu falo com a sobriedade transcendente do que se diz sóbrio, além do limite. Além do limite, o ilimitado, e tudo que se tem como bases padrões costumes crenças razões e sentidos do todo – toda a limitação do limitado - fica ínfimo e se perde diante do infinito que invade os olhos num ímpeto visceral. Não eu não estou fascinado e isso é só o que eu consigo ver a mais. Eu me sinto desesperado e vejo bichos na cortina, como baratas que ninguém mais vê. Eu não quero ver. O jogo do tudo ou nada me assusta e eu odeio estar engasgado com esse gosto doce na boca. Eu me encontro cansado músculos abandonados boca aberta olhar vago e parcial e pequeno eu não consigo mais suportar o gosto doce na minha garganta e se eu não me acostumar com o gosto eu poderia vomitar até me livrar do melhor e o pior que agora é mais uma parte dentro de mim e maior que eu. Alguém desliga o som, isso me incomoda e se não desligarem eu não posso dormir e se for gradual minha atenção à música será gradual a devastação irreversível da minha capacidade auditiva, alguém desliga o som. É gradual a devastação irreversível do meu cérebro. E você, podre e recatado, é gradual a devastação irreversível do seu cérebro e de todos assim como é gradual a devastação irreversível da vida minha sua de tudo que simplesmente tem a ousadia de existir. Eu com a vida em funcionamento desviado noite vivida mesmo quando não se quer mais caminhadas involuntárias e irracionais vômitos amarelos pessoas olhando catarros sabor vômito. Você e os outros com suas respectivas ausências e fugas. reverborragia reverbera verbo rompe jorra. grafia gurgitar o que signfica orto? Será que isso nunca vai passar e se passar será que não vai ser somente a ilusão de ter englobado tudo isso (maior que eu)? O meu rim dói minha boca tá mais seca que o deserto isso só me faz mal e mal pros meus rins eu morro de medo de passar na frente de hospitais. Medo e compaixão. Compaixão por perdão. Perdão por culpa. Culpa por crime. Não quero ser descoberto: Eu sou o único culpado pela devastação irreversível de mim.

Ciente. Ciente do risco e da falta dele, eu concluo que isso é apenas o começo. Ciente que vou esquecer como é sentir autodestruição e querer lembrar se melhor o tudo inalcançável por um triz ou o nada.

Agora eu me sinto pleno.

As formas são por si só.

Acende essa luz de novo. Não vou dizer mas tive pavor de ficar no escuro de olhos abertos e não conseguir enxergar.