sábado, 29 de novembro de 2008

Espelhos

I- Confesso que eu nunca estive satisfeito com o que vejo nos espelhos, todos, por toda minha vida. Recordo-me do meu primeiro espelho. Moldura de alguma madeira escura, simples mas bela, gosto até hoje. Espelho clássico, cheio de curvas e de modelo arredondado – modelo sim, porque design é conceito dos atuais. Passava muito tempo na frente dele, na inocência de não saber usá-lo. A infância me faz muita falta hoje.

II- A perda da inocência tornou-se pecado, e em seu lugar, a repugnância e a culpa por tê-la deixado escapar. Se eu tivesse descoberto que a culpa não foi minha seria tudo mais fácil. Eu queria, então, fitar os olhos no meu sorriso refletido, durante horas, de forma que não causasse estranheza para mim, e sobretudo para os outros. Para tanto me trajava homogêneo, afogando-me com fantasias e máscaras e falas decoradas e entonações nem um pouco distintas. O meio era cruel e a solução foi impensada. Mas a culpa me manteve calado, omitindo eu mesmo. Os espelhos eram outros, e eram tantos.. e eu já não podia reconhecê-los.

III- Mas o meu afogamento gerou rebeldia desordenada, intensa, e num ato em busca de ar, sobrevivência, despi-me de tudo que me cobria, arremessando cada peça em direções diferentes, uma delas atinge o espelho, rachadura, e por fim o maior baque: eu olhava o primeiro espelho que me permitia ser inteiro, e via um corpo nu, amorfo. Por baixo de todas as fantasias que montei, fantasias que tentei ser, durante alguns anos, não havia ninguém, não havia cicatriz, não havia nenhuma marca. Assim começa a minha vigília, partindo da primeira e única certeza: não quero ser como quem me rodeia.
Uma imagem formada diz quem você é e com quem deve andar; é a forma primitiva de criar raízes, de abrigar-se na tempestade dos dias, de não ver sozinho as loucuras mundanas. E eu enlouqueci. Sem perceber, quebrei um pequeno espelho e a busca era tão intensa, tornou o fato imperceptível: ajoelhei-me diante dos cacos, rasgando a pele das mãos, dos joelhos, o coração, e a pergunta que até então era sussurro, tornou-se grito. Entre cacos, sangue e lágrimas, só uma pergunta se ouvia repetidamente: quem? Depois a fotografia da cena, calmaria, e com o tempo, a descoberta.

IV- Após o delírio a imagem ia, aos poucos, se formando. Mas quiseram as forças maiores que eu me apaixonasse, e diante da imagem amada, minha forma enquadrada no espelho, que estava descobrindo(-se) com sorrisos, ficava menor, incompleta, defasada em muitos pontos. A cada olhar, a cada espelho, via a deformação, cada vez mais acentuada. Eu não queria mais me ver, queria ser visto. Espelhos cobertos, ‘sem importância’. Estava eu me tornando reflexo de quem eu venerava. Na busca pela resposta do amor, queria ser sua imagem bonita no espelho, a confirmação, a resposta que não tive. Mas no silêncio, no vazio da minha presença e nada mais, o que cobria o espelho caía, e meu reflexo me envergonhava novamente. Forçava-me amá-lo e eu não tinha o mesmo propósito. Mas as forças maiores me desencantaram.

V- Não me recordo quantos espelhos já vi, quantas imagens distorcidas já tive de mim mesmo, quantas formas e tamanhos e necessidades.. Com a imagem mais límpida a cada novo espelho, aprendi a brincar com meus reflexos, e gradualmente a utilizar cada um em seu momento adequado. Penso hoje que os espelhos que tenho me respondem do jeito que gostaria. Passo longos e intermináveis minutos em frente, olhos nos olhos e assim por diante.

Você pode apalpar a imagem do seu espelho ideal? Alcança seu reflexo? Cuide-se: espelhos matam.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

algumas coisas que me intrigam


Quando será que eu vou poder, mais uma vez, andar nas ruas depois das dez? Quando, novamente, eu vou poder fazer piada, mostrar que de fato eu não me importo tanto assim e que não estou abalado? – não o quanto dizem que eu deveria estar.
As novas histórias de morte(s) e/ou perda(s) estão passando sem parar na TV. Das seis e trinta às oito horas as primeiras pessoas do dia chorando suas perdas materiais. Logo ao meio dia, pessoas chorando a perda de suas pessoas queridas. Uma e pouco, as pessoas choram nos abrigos. Às sete e quinze as pessoas ilhadas acenam aos helicópteros. Às oito da noite os voluntários exemplares são exibidos, e por fim, no início das madrugadas, as reprises, ou não. O choque a cada nova história é inevitável, mas é só mais uma história e não é a minha! Infelizmente, ou não, eu não estou demasiado comovido.
O sensacionalismo das notícias espreme lágrimas de rostos limpos, e para quê? Tem algum propósito saber o que aconteceu com as pessoas que não se faz idéia de quem sejam? Pra mim não. E certamente, receber uma notícia ruim pela televisão está longe de ser a melhor forma. Creio que isso seja sensacionalismo por ele mesmo.
Morte acontece, tragédias acontecem diariamente. Por que o sofrimento e a vontade de ajudar (e eu falo da vontade de ajudar, e não do ato em si, porque reconheço as questões distância, grau de dificuldade do problema, etc.) se tornam tão ‘obrigatórios’ quando o problema está diante de nós? Céus, quantas pessoas morrem no oriente médio por conta da cegueira de uma fé distorcida? Quantos brasileiros perdem a vida na violência de nossas cidades, no perigo de nossas rodovias? Quantas pessoas morrem na África de diversas maneiras, inclusive por meio da fome? E isso tudo, que julgo ser de uma gravidade tão séria, se não mais, não nos causa espanto. Somos obrigados a ‘forçar a barra’ por ser uma catástrofe com a NOSSA Santa Catarina. Que pensamento nojento, vidas são vidas em qualquer lugar, com a mesma importância.
A hipocrisia do luto forçado me enerva de uma forma incomum. Eu estou nem triste e nem feliz e gostaria do direito de poder sê-lo sem olhares repressivos. É assim que me sinto e não estou a fim de sofrer nenhuma dor inventada.
Não pense que não estou colaborando: garanto ser um dos que mais está poupando água, além de me preocupar e participar das doações. Mas ao mesmo tempo, quero poder seguir a minha vida, com os meus assuntos e com as minhas coisas. A natureza foi e é severa e inevitável. E lembremos que estamos colhendo o que plantamos, e infelizmente, esse é o preço, justo ou não. Agora, sigamos. Como diria o poeta, porque o tempo não para.

quando eu ainda te amo

A minha caixa de coisas velhas, que estava escondida e proibida, em qualquer canto, caiu: rompeu-se diante dos meus pés e contra minha vontade. Todas as músicas, as sensações, os filmes de horror que só existiram em minha mente, as visões surreais do mundo, o choro, o desespero, os braços e o coração trêmulos, vieram à tona novamente. E tudo isso volta a fazer sentido pra mim agora. Ouço as músicas e canto suas letras de desamor e volto a sentir realmente o que eu sentia há meses.
A espera e a expectativa também voltaram. A febre de rejeição sequer decifra minhas portas fechadas: toma-me e desrespeita o mecanismo de minhas portas, me trancando de qualquer outra coisa se não minha dor: como se nada além disso tivesse importância. E os disfarces ficam vãos. E a atenção é toda sua e as palavras em volta soam estrangeiras, sem sentido. As outras pessoas perdem a importância. Os acontecimentos perdem a importância. Eu perco a importância – e o sentido também.
Não queria culpá-la, mas a culpo. Afinal, se não é minha responsabilidade, deve ser sua, neste jogo a dois. Culpa de suas meias palavras e de suas brincadeiras (não) intencionais. Culpa de seu complexo de fênix: você some assim que pode e reaparece quando precisa, coincidentemente, momento em que quem não precisa mais, sou eu, de você.
Pelo menos achava que não precisava. Mas a caixa onde eu guardei, com todas as dificuldades, todas as músicas, as sensações, os filmes de horror que só existiram em minha mente, as visões surreais do mundo, o choro, o desespero, os braços e o coração trêmulos, inflamou. Meu intento era apagá-la da minha memória, era esquecer aquilo que eu nunca mais desejei lembrar. Mas a verdade é que eu não consigo te odiar, com força, e a minha maior fuga surge quando penso que eu ainda te amo.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

quando escrevo meu punho dói.

Quando escrevo meu punho dói
Minhas veias, tendões, músculos, cartilagem, dedos.
Quando escrevo me faltam palavras
Quando escrevo eu acelero, fico tenso
Todavia quando leio, eu quero escrever.
Quando escrevo o céu aumenta
Vejo mais estrelas quando escrevo
E os sonhos parecem maiores
Porém o medo cala minha boca.
Quando falo, não sou lírico
Quando falo, me perco na rapidez dos movimentos
E ainda quando penso sou confuso e deslembrado
Mas quando escrevo, digo o que quero e do jeito que eu quero.
Quando escrevo eu formalizo
E sem vergonha de fazê-lo: contrário.
Quanta ironia: um paradoxo
Garotos que emudecem,
Falam muito e falam bem,
Caneteando, digitando, anotando, rabiscando, desenhando:
Diga pouco,
para que um dia digam de você,
que tudo que você dizia
era coisa bonita de ser dita.

_

"tô bróxa", minha gente, estou "bróxa"!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

vontades


sensação

sen-s-ação

sem ação.


Vontade. VON-TA-DE. É bom até de falar. Por sinal, quando essa está em minha mente, sinto minha boca mais molhada que o normal: é a vontade, exigindo lubrificação para poder passar e sair de minha boca, e se tornar palavra. Exigência que está longe de ser recusada.


Vontades. Secretas, deliciosas, indesejadas, realizadas, bizarras, nojentas, escondidas, provocadoras, insones, prazerosas, pecaminosas, aliciantes e tudo que se puder sentir, elas serão a alguém, algum dia.


E meus olhos se abrem não comumente, de um mesmo jeito que minha pupila se dilata e na mesma rítmica que meu coração acelera, tão veloz que posso ouvi-lo sem querer. São minhas vontades que de tão ocultas e ocultadas, periodicamente quando se tornam insuportáveis, queimam-me o peito, fazem arder os pontos de prazer e de pecado e torturam minha cabeça, fazendo desse mal e bem estar, súplicas por realização.


Afinal, de que seriam as realizações sem as vontades? O prazer não seria tão prazer, e a vitória não teria este sabor de orgasmo. Entretanto, de que seriam também as vontades sem as realizações? Pergunte-me.

domingo, 9 de novembro de 2008

Vá com deus!

A tempestade interna é uma fábrica de sonhos. Quando penso em tudo que quero, quando entendo o que se decodifica diante de minha mente, o coração sorri espontâneo. Imagino que os olhos brilhem mais nesses momentos, e a nova busca vai se concretizando, estou tão feliz!
Hoje cheguei a muitas conclusões.
Sou uma pessoa diferente da maioria, caso contrário não viveria entre tantas mudanças, dúvidas, crises existenciais diárias, etc. Diferente também de quem eu imaginava ser, em meio a uma nova metamorfose, pois sei que não tenho o dom da escrita, da atuação: talvez agora eu não esteja pronto pra ser artista. A alma é essa, mas a idéia tem de evoluir.
Com o mesmo “tipo de pessoa” que sou hoje, existem mais algumas. Nós não temos paixões arrebatadoras, não temos grandes preferências, não temos um motivo especial para morrer por. Fazemos bem o que nos cabe, sem gostos ou desgostos, e em alguns momentos nos questionamos o que realmente estamos fazendo. Nós vivemos, e depois da erupção, buscamos mais. Buscamos muito. Cada um com sua especificidade. Eu quero mais da vida, eu quero mais assunto, mais inteligência, mais experiência, mais pessoas, mais conversas, lugares, gostos e saudades.
Imaginem que descobri finalmente o que quero de minha vida: nada! Nada além do que já tenho em mãos. A inquietude do aprender. E tudo vai se movendo em busca de um mesmo objetivo: o querer ter. Por ter sido uma criança mimada, e considero isso um ganho, quero tudo, e agora. E assim o farei, se me for possível: em busca do meu nada, que tão indefinido e revelador é e será.
E que a nova estrada se construa. Que os meus passos sejam proveitosos, que a caminhada seja longa e positiva, e que meus caminhos sejam satisfatórios. Que eu tenha uma boa sorte e uma bela trajetória.

*Dreams – The Cranberries.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

1:31:43

Essa sensação novamente. Odeio-a. A vontade de me transpor para uma realidade que não é minha, que nem se quer é realidade, transborda e atormenta silenciosa e invisivelmente. E a sensação é indescritível, talvez decifrável: leva-me, deixe-me ser, deixe-me estar neste lugar. E tem forma: esfera oca, transparente e avermelhada, muito brilhante, que se inicia dentro do meu peito, seguindo às poucas carnes, à pele, aos pêlos; para fora. Faz-se grande, para fora. Cresce, pára a altura do nariz. Ruma aos meus pensamentos, duvida de minha força mental. Mas, que ousadia! Como é imbecil, como é grande e repugnante! Como se exalta! E, meu deus, como é bem sucedida! E se ao menos perfeita fosse, eu posso enxergar seus erros, mas não consigo senti-los com essa intenção! Sob que feitiço me encontro?
Tenho medo. Amanhã, reconheço, é dia de insolação, horror. Amanhã e os outros dias. Não há o que fazer, não há por onde fugir. Rendo-me, e sinto essa sensação mais freqüentemente, ou esqueço. Nada seria tão fácil.. o ócio seria tão fácil. Mas a minha inquietude, minha paixão curiosa está desperta agora. Talvez não haja mais volta.
Mais uma taça dessa sensação, talvez mais uma garrafa, e eu saberei como, por que, e de que maneira. Ah, eu o quero intensamente. É só uma questão de tempo, assim espero, enquanto vou à caça de seus motivos. Que a caça seja farta e o segredo desvendado. Não é a minha maior solução, mas encurta parte desse novo vazio que encontro em mim mesmo, diagnosticado definitivamente à segunda madrugada de terça-feira, 04/11.
Esses novos sentimentos podem mudar toda e qualquer noção estabelecida até então. Quebrando meus métodos, tão prezados, rompendo minhas convenções, até as mais recentes. E agora, o que será? E depois, o que será depois? Essa provocação, esse turbilhão em meus devaneios me assustam, e me acrescentam. Como diz a frase, o que é pra ser, será.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Má fama

Sempre foi uma das minhas prediletas. É o que me vem à cabeça quando penso em gramática, matéria. Isso porque gosto das tão presentes regras, que fazem a gramática metódica e ao mesmo tempo estável e invariável, ou quase. Falando sobre sua natureza estável, quem não gosta de estabilidade? Ou deveria dizer, eu gosto de estabilidade.
Mas voltemos à gramática. Nela, nem tudo são flores. As tão odiadas exceções espalham a má fama da coitada da gramática. Mas convenhamos, a gramática é clara, o problema está nas exceções! As vezes até mais presentes que as regras, tiram o sono de qualquer estudante ou de qualquer vestibulando.
Outra pedra no sapato são as regras em desuso. Por exemplo, a mesóclise. O nome estranho já assusta, mas a aplicação causa mais pavor. “Levar-te-ei os documentos”. É o correto, mas poucos sabem disso, e os que sabem pouco utilizam. E vilãs como essa, a gramática tem várias. A crase, o uso do trema, entre outros que nos deixam cheios de dúvida e fazem a gramática ser tão mal falada.
Não sou um profundo conhecedor da nossa gramática e freqüentemente me vejo cheio de dúvidas quanto ao uso disto ou daquilo. Mas apesar disso (e não disto), e de todas as complicações que são postas à gramática, julgo importante conhecer a estrutura da nossa língua. Ouso dizer, ainda, que a má fama da gramática é coisa de faladores que não a conhecem bem.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Desculpe-me.

Mas quando bebo, lembro-me de algumas coisas. Àquela noite, tive más lembranças de você.
Quantos meses foram deixados desde então? E ainda não compreendo como isto aconteceu, não sei ao certo quando e nem de que maneira.
Eu deixei você pra trás. No começo, simbolicamente, não querendo você por inteiro: somente seu corpo. E dessa vez eu o tinha, não como antigamente que me deixavas à vontade. Talvez por um medo seu de me perder por inteiro. E depois, te deixei num ato simples. E sinto que aí foi nosso final: o triste final do nosso drama, e o início da minha nova liberdade.
Por quantas tentativas fracassadas eu lamentei? Quantos sonhos eu me obriguei a criar, sem nenhum sucesso e sempre voltando a você, com a alma suja e a cara envergonhada. Vergonha de mim mesmo, sem vergonha de você.
Tudo isso. Tudo pra nada. Foi naturalmente, assim como o meu fascínio repentino por você. Ah, quem me dera saber antes que esse seria o fim.
A falsa amizade é o que ficou, pateticamente. “Sem ressentimentos”, que ironia! Tenho pena de nós mesmos a qualquer contato que mantemos. É plástico, e não faz mais sentido.
Eu confesso que a vontade física até hoje me desperta alguma coisa, forte, da cabeça aos pés. Mas passa.
E tantas recordatórias somente pra te dizer que fui, sim, hostil àquela noite. Não quis ver você, e o sorriso amarelo foi nada mais do que cumprir as formalidades sociais. Nada proposital, entenda, é somente a lucidez do álcool. E receba um conselho: não confie mais em mim. Lembre-se também que eu não mordo mais suas iscas baratas, mas elas são estupidamente engraçadas para mim, portanto continue! Enfim, saiba que por mais complicado que ainda seja, eu já posso reconhecer quem você realmente é.
Não me importo mais, não quero que seja feliz nem triste, eu nem faço questão de que você seja. Pois isso pra mim já passou.