segunda-feira, 10 de outubro de 2011

nojo das rugas



Algumas coisas são tão recorrentes. Com uma latência. Eu entrei na casa e não tinha percebido que o teto tinha se desprendido e eu parecia mais perto do céu. Mas é que a sobridade não nos permite viver assim até por uma questão de saúde e segurança, e daí era sensato consertar aquele forro capenga, antes que o teto desabasse sobre nossas cabeças antes que fosse tarde demais. 
Latência é a diferença de tempo entre o início de um evento e o momento em que seus efeitos tornam-se perceptíveisjá diriam as ciências de todas as respostas; como a gravidade e o tempo na pele caída enrugada seca manchada e marcada, um corpo com pouca vida de uma velha nua, magérrima, completa e entregue, com resto de pelos, resto de vida, resto da liberdade que pode suportar, mãos que já foram abertas voltadas para frente sem vergonha e sem medo do fim, não sorri não é triste não ama não odeia não se martiriza, não tem cara: está nua diante de todos e mesmo quase morta causa o mesmo efeito do primeiro grito de vida do recém-nascido.
Eu me surpreendi como existe sujeira entre o teto e o telhado da casa, onde a gente não vê e a mão não alcança, ali. E de latente se tornou enorme, ali, em cada buraco no forro, a sujeira no chão em cima dos móveis, com urgência sem licença. Chega uma hora que não há remendo que segure e não há olho que não veja, tá ali, aberto exposto, mais visível que a maresia que às vezes costuma me incomodar, encebando o piso que parece sempre molhado. Urgências. Eu sempre achei que a morada estava limpa, e no entanto tem sempre alguma coisa que fica, uma combinação um acúmulo do pó que foi a gente um dia com a maresia que gruda no que é palpável e um dia aparece. Latência.
O fato é que o tempo passa o pó clareia os móveis a pele cria rugas o branco amarela o verde seca. O teto desaba. Até ontem parecia estar tudo bem. E de repente. Quando foi? Eu nunca reparei. É maior do que eu imaginava. Tão latente quanto uma doença sem sintomas. A gente põe a mesa e toma café, assiste à tv, fala pouco depois da janta, mas é que o teto continua a cair. Daí a gente fica assim, nada é tão estranho nem tão normal.
Às vezes é preciso lidar com o que não presta. Às vezes é preciso se deixar sujar. Às vezes é preciso ser aberto com o que a vida dispara sobre nós. Com o que um dia já nos fez parte. Eu olhei pro teto que não deu certo e encarei e levantei o teto com muito trabalho. É certo que um dia o teto vai voltar a cair. Eu vou dizer olá pra toda sujeira que se esconde acima do forro, eu vou lidar com o que eu não gostaria de ver e depois de algum tempo de latência e com novos olhos eu preciso fazer alguma coisa pra que eu continue cabendo dentro de casa.   E assim a gente vai vivendo, lidando com a vida, adquirindo marcas manchas rugas ganhando e perdendo pelos. Não foi fácil escolher ser assim.

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