Algumas
coisas são tão recorrentes. Com uma latência. Eu entrei na casa e não tinha
percebido que o teto tinha se desprendido e eu parecia mais perto do céu. Mas é
que a sobridade não nos permite viver assim até por uma questão de saúde e
segurança, e daí era sensato consertar aquele forro capenga, antes que o teto
desabasse sobre nossas cabeças antes que fosse tarde demais.
“Latência é a diferença de tempo entre o início de
um evento e o momento em que seus efeitos tornam-se perceptíveis” já diriam as ciências de todas as
respostas; como a gravidade e o tempo na pele caída enrugada seca manchada e marcada,
um corpo com pouca vida de uma velha nua, magérrima, completa e entregue, com
resto de pelos, resto de vida, resto da liberdade que pode suportar, mãos que
já foram abertas voltadas para frente sem vergonha e sem medo do fim, não sorri
não é triste não ama não odeia não se martiriza, não tem cara: está nua diante
de todos e mesmo quase morta causa o mesmo efeito do primeiro grito de vida do
recém-nascido.
Eu me
surpreendi como existe sujeira entre o teto e o telhado da casa, onde a gente
não vê e a mão não alcança, ali. E de latente se tornou enorme, ali, em cada
buraco no forro, a sujeira no chão em cima dos móveis, com urgência sem licença.
Chega uma hora que não há remendo que segure e não há olho que não veja, tá
ali, aberto exposto, mais visível que a maresia que às vezes costuma me
incomodar, encebando o piso que parece sempre molhado. Urgências. Eu sempre
achei que a morada estava limpa, e no entanto tem sempre alguma coisa que fica,
uma combinação um acúmulo do pó que foi a gente um dia com a maresia que gruda
no que é palpável e um dia aparece. Latência.
O fato é
que o tempo passa o pó clareia os móveis a pele cria rugas o branco amarela o
verde seca. O teto desaba. Até ontem parecia estar tudo bem. E de repente.
Quando foi? Eu nunca reparei. É maior do que eu imaginava. Tão latente quanto
uma doença sem sintomas. A gente põe a mesa e toma café, assiste à tv, fala
pouco depois da janta, mas é que o teto continua a cair. Daí a gente fica
assim, nada é tão estranho nem tão normal.
Às vezes é
preciso lidar com o que não presta. Às vezes é preciso se deixar sujar. Às vezes é preciso ser aberto com o que a vida dispara sobre nós. Com o que um dia já nos fez parte. Eu olhei
pro teto que não deu certo e encarei e levantei o teto com muito trabalho. É
certo que um dia o teto vai voltar a cair. Eu vou dizer olá pra toda sujeira
que se esconde acima do forro, eu vou lidar com o que eu não gostaria de ver e
depois de algum tempo de latência e com novos olhos eu preciso fazer alguma coisa
pra que eu continue cabendo dentro de casa. E assim
a gente vai vivendo, lidando com a vida, adquirindo marcas manchas rugas
ganhando e perdendo pelos. Não foi fácil escolher ser assim.
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