quinta-feira, 23 de setembro de 2010

amor:

Ele vai chegar. Ele vai chegar quando eu não estiver esperando. Quando eu decidir que eu vou parar de pensar, que eu vou limpar a casa, ouvir música alta, ou assistir a um filme sozinho ou encontrar algum amigo que me faça bem ou sair andando só pra ouvir música . Aí ele vai chegar. Vai ser aí que o interfone vai gritar com aquela urgência de um toque comprido e invasivo, que rompe com a individualidade e a inércia de uma vida inteiramente minha, e isso é proteção. Eu sempre fico insuportavelmente esperançoso e docemente amedrontado quando toca o interfone. Alguém quer mudar o curso das coisas que eu já planejei, alguém quer me invadir, de certo modo. O interfone aqui grita com um desespero insuportável.
É assim que ele vai fazer. E quando eu souber que é ele eu já sei o que eu vou pensar. ‘Que hora ruim, logo agora. Agora eu não quero, agora eu não posso, agora não vai dar. Agora eu to bem aqui.’ Mas fica chato dizer assim, né. Daí eu vou descer pra buscá-lo ali embaixo. Eu vou recebê-lo bem, mesmo não querendo a presença dele naquele momento. A droga é que em cinco minutos ou menos, até, eu já vou tá acostumado com ele, vou parar tudo que eu tinha planejado pra ficar fazendo sala pra ele, assim. Eu vou arrumar um espaço aqui em casa só pra ele, ele vai tirar as coisas do lugar de um jeito que me irrita, mas a presença dele e a bagunça dele preenchem isso aqui. Por que ele sempre tira as coisas do lugar? Me irrita, mas me diverte por um tempo, também.
Algum tempo depois e eu vou oferecer tudo o que eu tenho aqui em casa pra ele, tudo que eu puder pra fazer bem, pra mostrar o quanto eu posso fazer bem pra ele. Talvez aí seja o erro, talvez eu o assuste assim. Ou é outra coisa, também. Porque eu tenho uma intensidade insaciável, gigantesca, que me assusta, inclusive. Ele vem passar uma hora e eu tranco a porta esperando que ele fique a vida toda comigo. Ou é outra coisa também. Porque oferecendo tudo o que eu tenho, ‘tudo’ pode parecer tão banal... E a minha casa vai cansá-lo logo se eu não guardo minhas surpresas. É que eu não sei jogar desse jeito, eu só sei respeitar a minha intensidade. Problema meu, né.
E vai ser isso, basicamente. Ele vai chegar. Eu não vou querer que ele entre, mas eu vou deixar ele entrar. Ele vai tirar as coisas do lugar, isso vai me irritar e eu vou rir por um tempo. Ele vem pra passar uma hora, eu espero que ele fique a vida toda e em dez minutos ele acaba indo embora. Eu fico sem saber ao certo o porquê. Ele vai tirar as coisas do lugar, eu vou me irritar, rir... mas elas vão continuar fora do lugar depois que ele for embora. Eu vou continuar irritado, e as coisas vão ser só a presença da ausência dele, aqui. Eu sei que vai demorar algum tempo até eu conseguir arrumar tudo de novo, até eu lembrar de fazer o que eu tinha que fazer antes dele chegar. Pretexto. Parece pouco, afinal é só botar umas cadeiras no lugar, arrumar o sofá, lavar o seu copo. Difícil é esquecer o teu nome.
Ele vem pra passar uma hora, eu espero que ele fique a vida toda, em dez minutos ele acaba indo embora e eu fico esperando. Esperando o quê? Esperando. Esperando sem querer que ele volte, até o dia que ele voltar.