segunda-feira, 3 de outubro de 2011

corre


Ela diz que sente vontade de algo que não existe. Às vezes prefere fechar as cortinas e se encerrar em si. Passa um dia inteiro entre palavras não ditas, tentando mensurar o que tem por dentro. Ora, meu anjo, as tripas dos animais não são tão diferentes das suas.
Ela diz que tem dormido muito e muito mal. Ela está doente. Acredita que pode morrer a qualquer momento mas não é capaz de se permitir viver o quanto pode. Como consegue persistir nisso? Aprendeu a fechar os olhos quando sente dor, como se aliviasse. E desde então passou a cerrar cada vez mais seus olhos. Abre os olhos agora, aproveita que ainda podes ver a luz! Então caminha, sem saber ao certo, vai. Abre essas cortinas, abre as janelas, abre a porta e vai. Corre pela rua, sente o vento, a dor, o calor do teu corpo ao suar: estás viva. Te emociona com as crianças e sente que a vida pode continuar pulsando de alguma forma. E então corre! Com força, com vontade. Meu anjo, não liga se vais parecer estranha aos olhos deles: corres tão rápido e eles não costumam notar as coisas como tu sentes.
Ela sabe que costuma ver além do que se vê. Ama e sofre ser assim. Mas fechar os olhos não a torna como os outros. Ainda é noite. As cortinas continuam fechadas. Quem sabe amanhã. Quem sabe ela possa abrir os olhos e redescobrir nas cores, uma razão para abrir as cortinas todos os dias, seja quantos forem 'todos os dias'.

Um comentário:

Karina Buzzi disse...

que texto incrível.
adoro seus textos, mas esse me ganhou de uma maneira foda.
enfim, essas épocas da vida que vc não consegue se achar dentro de si mesmo e que tudo te dá medo. "ela" parece eu. :/