quinta-feira, 27 de outubro de 2011

palavras a alguém importante


oi, amigo!
Eu parei pra pensar em como responder a tua pergunta simples 'como tá?' e acho que posso dizer que tô melhorando, sem pressa, mas tô dando um jeito. Algumas coisas me irritam, outras me anseiam e outras me entristecem. Mas no meio de banalidades eu tenho gostado de mim, de algumas pessoas, dos meus dias. Numa conversa besta, dividindo momentos com pessoas boas, ouvindo música pela rua, me deixando apaixonar pelo meu professor de inglês, haha... Em banalidades, como os sentimentos mais puros são realmente exprimidos... Não sei se acredito em declarações de amor ou demonstrações intencionais, ou momentos especiais (além de não saber lidar com isso tudo, eu sempre travo e deixo coisas por dizer. Aliás esses dias que eu não tava bem, escrevi um e-mail pros meus pais, pra eles lembrarem do quanto eu amo eles. Mas eu não mandei. Depois de bastante tempo eu percebi que na minha família o amor não se diz, se vive. Por exemplo, quando tive em Blumenau pela última vez minha mãe me viu chorando. Depois de um tempo ela veio no meu quarto, falou sobre coisas engraçadas e disse que pediu uma pizza. Ela tava dizendo que me ama.)
Apesar de estar deixando de ser tão cético nas coisas que eu não posso ver, eu ainda dou muita importância àquilo que eu posso sentir. E o que eu mais consigo sentir é me sentir bem do lado de alguém, é pertencer. Tudo isso num almoço com alguém, ou em ficar mais cinco minutos ali só pra passar um tempo a mais com alguém. E isso pra mim é amor, é o próprio ato e a própria prova de amor. Me sinto melhor em conseguir desapegar essa necessidade de colecionar belos acontecimentos, porque o que e é a vida em sua maioria se não a banalidade dos dias?
Não que eu esteja desmerecendo os momentos especiais, acho que eu só não tenho me cobrado por não acontecerem... e menos ainda tenho forçado isso.. a beleza desses momentos se dá justamente na raridade em que eles existem. É mais simples: tô valorizando o que é recorrente e aliviando as expectativas do que é raro.
Escrevi demais, não quero parecer egoísta. Mas acho que isso pode te ser útil e fazer sentido pra ti também. Não sei. 
Como tu tá? Eu vou ficar bem feliz de ver uma resposta tão ou mais detalhada quanto a minha, se for tua vontade, claro! Tá aproveitando tua família? Tá fazendo algo útil? Tá vendo teus amigos? Aproveita bem, mesmo. Às vezes dá uma preguiça de sair do conforto de si mesmo, mas acho que vale a pena... Às vezes a situação não é exatamente como a gente gostaria que fosse, mas ainda assim tem sempre alguma coisa que se pode admirar e contemplar, enfim, viver. O tempo é ruim se a gente for ruim com ele. Então é bom aproveitar os dias, se permitir ser mais sensível (o quanto eu sei que tu é, por exemplo) e de fato viver, não só esperar os dias passarem. Não sei se isso faz sentido, mas espero que sim, se não eu vou ficar me sentindo meio imbecil, haha.
Eu ainda não baixei o novo CD da Florence. Amanhã vou baixar...
Se cuida, fica bem e aproveita teus dias,
com carinho,
Marco.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

nojo das rugas



Algumas coisas são tão recorrentes. Com uma latência. Eu entrei na casa e não tinha percebido que o teto tinha se desprendido e eu parecia mais perto do céu. Mas é que a sobridade não nos permite viver assim até por uma questão de saúde e segurança, e daí era sensato consertar aquele forro capenga, antes que o teto desabasse sobre nossas cabeças antes que fosse tarde demais. 
Latência é a diferença de tempo entre o início de um evento e o momento em que seus efeitos tornam-se perceptíveisjá diriam as ciências de todas as respostas; como a gravidade e o tempo na pele caída enrugada seca manchada e marcada, um corpo com pouca vida de uma velha nua, magérrima, completa e entregue, com resto de pelos, resto de vida, resto da liberdade que pode suportar, mãos que já foram abertas voltadas para frente sem vergonha e sem medo do fim, não sorri não é triste não ama não odeia não se martiriza, não tem cara: está nua diante de todos e mesmo quase morta causa o mesmo efeito do primeiro grito de vida do recém-nascido.
Eu me surpreendi como existe sujeira entre o teto e o telhado da casa, onde a gente não vê e a mão não alcança, ali. E de latente se tornou enorme, ali, em cada buraco no forro, a sujeira no chão em cima dos móveis, com urgência sem licença. Chega uma hora que não há remendo que segure e não há olho que não veja, tá ali, aberto exposto, mais visível que a maresia que às vezes costuma me incomodar, encebando o piso que parece sempre molhado. Urgências. Eu sempre achei que a morada estava limpa, e no entanto tem sempre alguma coisa que fica, uma combinação um acúmulo do pó que foi a gente um dia com a maresia que gruda no que é palpável e um dia aparece. Latência.
O fato é que o tempo passa o pó clareia os móveis a pele cria rugas o branco amarela o verde seca. O teto desaba. Até ontem parecia estar tudo bem. E de repente. Quando foi? Eu nunca reparei. É maior do que eu imaginava. Tão latente quanto uma doença sem sintomas. A gente põe a mesa e toma café, assiste à tv, fala pouco depois da janta, mas é que o teto continua a cair. Daí a gente fica assim, nada é tão estranho nem tão normal.
Às vezes é preciso lidar com o que não presta. Às vezes é preciso se deixar sujar. Às vezes é preciso ser aberto com o que a vida dispara sobre nós. Com o que um dia já nos fez parte. Eu olhei pro teto que não deu certo e encarei e levantei o teto com muito trabalho. É certo que um dia o teto vai voltar a cair. Eu vou dizer olá pra toda sujeira que se esconde acima do forro, eu vou lidar com o que eu não gostaria de ver e depois de algum tempo de latência e com novos olhos eu preciso fazer alguma coisa pra que eu continue cabendo dentro de casa.   E assim a gente vai vivendo, lidando com a vida, adquirindo marcas manchas rugas ganhando e perdendo pelos. Não foi fácil escolher ser assim.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

corre


Ela diz que sente vontade de algo que não existe. Às vezes prefere fechar as cortinas e se encerrar em si. Passa um dia inteiro entre palavras não ditas, tentando mensurar o que tem por dentro. Ora, meu anjo, as tripas dos animais não são tão diferentes das suas.
Ela diz que tem dormido muito e muito mal. Ela está doente. Acredita que pode morrer a qualquer momento mas não é capaz de se permitir viver o quanto pode. Como consegue persistir nisso? Aprendeu a fechar os olhos quando sente dor, como se aliviasse. E desde então passou a cerrar cada vez mais seus olhos. Abre os olhos agora, aproveita que ainda podes ver a luz! Então caminha, sem saber ao certo, vai. Abre essas cortinas, abre as janelas, abre a porta e vai. Corre pela rua, sente o vento, a dor, o calor do teu corpo ao suar: estás viva. Te emociona com as crianças e sente que a vida pode continuar pulsando de alguma forma. E então corre! Com força, com vontade. Meu anjo, não liga se vais parecer estranha aos olhos deles: corres tão rápido e eles não costumam notar as coisas como tu sentes.
Ela sabe que costuma ver além do que se vê. Ama e sofre ser assim. Mas fechar os olhos não a torna como os outros. Ainda é noite. As cortinas continuam fechadas. Quem sabe amanhã. Quem sabe ela possa abrir os olhos e redescobrir nas cores, uma razão para abrir as cortinas todos os dias, seja quantos forem 'todos os dias'.