sábado, 26 de junho de 2010

nós

Eu não entendo a gente. Às vezes eu não me entendo. Mas sobretudo quem eu mais gostaria de conseguir entender é você. Entender por que dentro das tuas falas existem tantos “ai sei lá.”, tantos “ai, deixa.”, tantos “ai, não sei.”. Entende o que isso significa? Eu queria que meus dedos que te alisam funcionassem como um bisturi, te abrindo e te deixando exposto pra mim e então eu ia entender o que essas tuas palavras manjadas querem esconder. Eu queria te abraçar e parar ou pelo menos saber o porquê das tuas movimentações que entregam o teu incômodo, é bonitinho e pode ser só uma coisa infantil, mas o que eu quero agora é te entender inteiro. Eu ainda vou entender os teus bloqueios e por que ages tão racionalmente. Não pra que eu mude a tua história e te faça correr pra mim, ou não só por isso, mas principalmente pra que tu consigas ser ainda melhor. Ai eu acho que não deveria fazer isso, eu vou te amar mais ainda, vai ser insustentável.
Talvez eu prefira continuar entendendo nada. Pra que entender se ocasionalmente eu posso ultrapassar a realidade, desregular o tempo, alterar o espaço ao teu lado? Tantas horas e ainda foi tão pouco... é o que a nossa intensidade nos permite. Nossa, como é que eu explico a nossa intensidade?... Eu só posso dizer que a nossa relação é acima do comum, depois de tudo, de todos os nossos ‘tudos’, eu garanto que isso é nosso. Isso é nosso, só nosso.
Um parágrafo inútil, dizer que talvez a solução seja não entender, e tentar explicar o que eu não entendo. Acima do compreensível. Acima das tortuosidades humanas. Apenas acima. Essa é a força da nossa história, essa é a nossa história. E num outro dia quem sabe nos reconhecemos e podemos dar vida a essa nossa história, o nosso ciclo de construção e destruição, o meu amor e ódio.

terça-feira, 22 de junho de 2010

olhar

Por que é tão forte quando teu olhar olha no meu? Será que só eu sinto a força dessa intensidade? Será que só eu explodo completamente por dentro, e toda a minha vida, tudo que eu já tive, toda minha memória, minhas qualidades e minha história, vai tudo pra esse buraco negro que me toma inteiro, tentando conter a minha vontade de correr e te abraçar e nunca mais sair do teu lado! Será que só o meu mundo para completamente? Só na minha cabeça os corrimãos derretem e as escadas me levam pra lugar nenhum, o chão fica macio? Eu queria viver eternamente olhando nos teus olhos, pra ver se assim eu conseguiria entender o que se passa por dentro de ti. O espelho da tua alma, dizem né.
Será que de nós dois, só eu sinto falta de ter os teus olhos me olhando? Deus, não pode ser só de uma parte que essa ligação grandiosa depende e necessita! Eu não poderia construir isso tudo, mesmo o que eu sinto, sozinho! Se a gente se olha eu digo que te amo, eu vejo o mesmo nos teus olhos! Por que esse, o mais verdadeiro dos elos, não é lei pra nós?
É tudo isso que grita na minha cabeça, iluminado pelas luzes amarelas de um poste e esquecido pela penumbra entre um e outro. Eu volto pra casa sozinho, eu vejo tudo mas com um olhar vazio e úmido que mesmo sem poder, que mesmo sem querer de fato vive a procurar teus olhos em qualquer vão frio que são os lugares onde tu não estás.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Um passarinho

Esses dias meu pai chegou aqui em casa e apertou a campainha. Eu sabia que ele viria, mas ainda assim fui surpreendido. Como quando eu era criança, quando minha mãe chegava em casa e eu ainda não tinha lavado a louça – apesar da bronca, todos os dias, a louça ficava à espera da campainha. Mas voltando àquele dia, como nos dias anteriores, algo tinha mudado dentro de mim. A minha sensação de tristeza agora tinha se tornado uma amargura, a casca da ferida, aparentemente a cura, mas a dor ainda pulsa por dentro, sem sangue e sem choro. Esse era eu, correndo pra atender a campainha.

Abri a porta e meu pai falava frases que justificavam o fato de estar com uma gaiola na mão e um sorriso besta no rosto, “a casa de não sei quem pegou fogo e ele iria abandonar esse passarinho” e coisas como “agora tu tens um amigo pra cuidar”, aquelas frases que meu pai sempre disse e que eu nunca gostei, sequer acreditava no teor ou dava importância, preferia ignorar mesmo.

Era surreal e ao mesmo tempo muito rápido pra mim, eu não entendia e algumas vezes eu perguntei “por que não soltá-lo?”. A essas horas eu indagava olhando pra gaiola, em cima do balcão. Não quis que ele ficasse pendurado na parede, assim parecia mais preso ainda. Com o tempo, e com alguma dificuldade, eu consegui compreender que ele sempre esteve preso. Hoje, ele não seria capaz de viver a imensidão e a força da realidade. Talvez nem eu seja. Talvez por isso, e por compreender agora tal fato, nos encarávamos, eu e o pássaro. O tempo, que tinha antes desacelerado, agora era uma pausa.

Aqueles olhos inexpressivos, de alguma forma me fitavam até piscar, sem dizer nada que fosse direto, mas óbvio, ele é um passarinho e qualquer coisa que eu pudesse interpretar seria incoerente. Ou não. Eu olhava pra ele e tudo que eu podia sentir era tristeza. Ele pouco se movia, eu então, estático. Um momento de eternidade, enquanto meu pai fazia ou falava algumas coisas que eu não me lembro. E naquela troca, no mínimo uma troca de olhares eu me doava além do compreensível, todo o meu pesar expelia lágrimas, que meu pai nem percebeu, em seu ritmo habitual. Estranheza. Eu e um pássaro, tão distantes e ao mesmo tempo, num fluxo e numa entrega pura e sensível. Mas que besteira.

Isso foi forte demais pra mim, e algum tempo eu fiquei sem pensar. Alguns dias, e eu preferia ignorar aquela presença. No fundo, é medo, do que eu ainda não tive coragem de tornar fluxo de consciência. Até agora não tive. Como é triste a existência que está tão distante da plenitude. Que jamais pode tê-la. Que no máximo ouve e vê o que tem depois da janela como um quadro inexplicável. Conhece mas não pode fazer parte. O pássaro? Também ele, mas eu me referia a mim agora.

Ai, hoje eu ouvi que a vida não é justa. Eu disse: e quem foi que falou que era pra ser? A falta de sentido da totalidade me assusta. A grandeza da totalidade me assusta. Prefiro calar.