domingo, 17 de julho de 2011

Ele existe em algum lugar

Férias nos hospitais da cidade. Eu não quero saber da minha doença, se eu estiver doente. A ferida cresce como um fungo, silenciosa, e eu a escondo, a dor é recorrente, e eu a escondo, os médicos estão chegando e eu a escondo, eu a escondo de todos eu a escondo de minha mãe eu a escondo de mim mesmo em palavras como 'não tem nada a ver'. Ele parecia me odiar sem me conhecer. Ele parecia odiar o mundo sem o conhecer. Porque eu odeio o mundo sem o conhecer. Eu só queria tirar seus óculos pra pisar em cima pra deixar ele de quatro e com a bunda de fora de novo. NA. M de um nome bonito e cabelo raspado e de 90. ainda não combinei nossos signos porque afinal, foda-se. Os médicos estão chegando e eu rio escondendo coisas que não existem. Ele me olhava com a mesma superioridade que eu olhava o mundo e então estávamos nós no mesmo nível. Aquele que diz diz: Nível não é nivêl. Aquele que diz realmente acha que o espanhol é uma língua feia. Os médicos estão chegando e eu rio escondendo coisas que não existem. Eu odeio o mundo sem conhecê-lo. Eu o conheço e eu o amo porque entre tanta gente chata ele parece tão entediado quanto eu. Eu sorrio pra tantas falas belas, construtivas, claras, coerentes enquanto não as ouço. Alguém disse que somos intelectuais e eu nem acreditei, ainda bem que alguém repetiu. Eu não costumo confiar em mim mesmo. Eu dizia que somos todos idiotas enquanto sorria como quem concorda com a bela fala construtiva de alguém. Essa mania de platonizar é a minha forma mais agradável de não viver. Eu vou dizer pra ninguém que ele irá me visitar, ninguém vai ver as fotos dele tentando imaginar como seria possível eu e ele. Ninguém vai morrer de inveja e eu vou me sentir por cima. ninguém vai me cumprimentar com muita falsidade dizendo: vocês formam um casal lindo e eu vou agradecer ninguém e eu vou ser feliz e eu vou estar pronto pra começar a viver. Hoje eu sei que continuo escondendo coisas que não existem. Nós odiamos o mundo e não o conhecemos, nós nos odiamos e não nos conhecemos. Eu não vivo e nós não vivemos juntos. juntos. juntos. nós não vivemos juntos. nós juntos. Os médicos estão chegando e o medo torna-se maior. Não há medo da morte, há medo da dor. da dor em saber que a doença que não existe não existe. saber que nada que não existe não existe. ele não odeia o mundo, ele não é a minha doença e ele não vai me matar. nós não não vivemos juntos. ele vive em algum lugar. pra mim ele não existe. tanto quanto eu. mas os médicos dirão: ele vive em algum lugar. branco espera plástico descartável contaminação número dor ferida pulsa mata congela como se não doesse. fala construtiva de alguém. adia cuida de matar depois. humilha porque cuida de matar depois. Eu não vivo. Ele existe em algum lugar.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

sim, é você

Você podia ser a minha nova promessa pra 2011. Roteirista, diretor, ator, o meu 'melhor de você'. A tv falava outra língua enquanto ele pensava no rapaz que tinha no mínimo, admitido sua existência. Fazer comida o tornava um pouco mais vivo. Ele dormiu a tarde toda, ele podia dormir a tarde toda, mas a culpa em não viver o tornava nem vivo nem morto, o tornava sonho. Mas agora era vivo, era vivo pra ele enquanto cozinhava e vivo pro rapaz, enquanto pensou em algo que ele disse. Será que ele disse meu nome? No mínimo mentalmente, será que ele disse meu nome? Enquanto lia, será que me achou interessante? Eu não esperava tanto daquele rosto vazio de criança despreocupada e em outras fotos, rosto de homem que é maior que o mundo. No mesmo mês e separados por um signo. Aquário não lhe caía bem, ele sabia. Na mesma cidade, e separados por um bairro. No mesmo curso e separados por uma universidade, e todas essas coisas. Ele lembrou da vez em que passava frio ao lado de várias pessoas que passavam frio, incapazes de se abraçar. Ele lembrou do atraso enquanto corria pra alcançar o ônibus enquanto os desconhecidos de sempre passavam de carro pelo mesmo itinerário. Ele lembrou que a vida é a concretização das não-concretizações. Ai, ele lembrou agora que deve acordar cedo amanhã. Eu amo esse filme. Eu também gosto de Alanis. Parabéns, você esteve ótimo. Não me pergunte e não questione mas eu só quero te beijar. Oi. Como é o curso aí? Gostou da oficina? Eu também. Eu também. Eu curti isso. Eu não curti isso mas finjo que curti pra que você pense o meu nome mais uma vez. Não desvia o olhar enquanto eu tiver coragem de fixar os meus olhos no teu rosto de presa. Porque eu sei que você vai crescer e me assustar e me amedrontar e me matar um dia, no melhor estilo 'eu gosto de morrer se for olhando pro teu rosto de caçador'. Porque eu sei que você não existe. Acabe comigo.