Escuta. Escuta aqui. Eu preciso falar. Eu to precisando escrever. Tem
muita coisa tua que ainda não desceu na minha garganta, ainda não sei digerir,
e, de verdade, eu não quero. Eu quero vomitar isso no papel, não é de hoje. Que
aí eu aproveito e tiro tudo que ainda tem de teu por dentro de mim. Eu queria
começar por ontem. Só consigo pensar em amargo. Eu não quero ser teu amigo!
Bota isso no teu cérebro juvenil. Eu realmente não quero ser teu amigo. Eu
nunca quis, e chega de fazer o bonzinho, dessa vez eu vou pensar em mim e no
que é melhor pra mim. Eu fiquei ali, que nem um idiota, chorando e passando
aspirador, que aí eu podia chorar de soluçar, que aí ninguém ia me ouvir. Era igual
aqueles filmes espanhóis, mulheres limpando a casa enquanto choram. Na verdade
eu nunca vi isso num filme espanhol, mas era bonito demais, real demais, como
num filme, e se fosse num filme, seria um espanhol.
Daí eu decidi sair de casa. Foda-se você, foda-se o que fosse
acontecer, foda-se o tamanho da dor que eu fosse enfrentar. Que fosse de uma
vez, e embora eu saiba e acredite veementemente naquela música que diz que
tristeza não tem fim, pelo menos, desse dia em diante eu ia poder dizer: não
chegou nem perto do amargo no meu peito naquela noite. Mas, acredite, o que eu
senti em te ver, em ser ignorado, em te ver com outro homem, em ver a tua cara
aparentemente dócil olhando pra mim e desviando o olhar, e pior, em ver esse
teu rosto sem culpa diante tudo isso... o que eu senti foi bem menos do que eu
pensei, não foi nem físico, provavelmente pela quantidade de blue lagoon que eu já tinha tomado.
Nenhum calafrio, nenhum tremor, nada. Por essas e outras que meu lado racional
decidiu nem te incluir na lista de pessoas que eu já amei.
Então é melhor baixar a bola, porque essa falsa modéstia aí não
convence mais, nem essa autopiedade. Sei lá, só seria tão mais bonito se tu
fosse sincero, se tu tivesse sido sincero, desde o começo. Eu não teria pensado
nada disso de ti, ou teria omitido a maior parte por apreciar tuas atitudes
sinceras. Talvez eu sofresse bem mais assim, mas talvez valesse mais a pena,
talvez fosse menos vergonhoso pra ambas as partes, talvez a história que
restasse no final fosse mais bonita e eu tivesse mais vontade de contar, depois
de tudo.
Sei lá, sabe, para de aparecer na minha lista de contatos do chat no
facebook. Dá um jeito, some. Volta no tempo e dessa vez quem sabe eu fosse
menos imbecil por ter me permitido pensar que isso podia ser mais que uma
cilada. Vaza, e me deixa com o meu velho vazio de sempre, que não se contradiz
porque não diz nada, nunca.
Eu detesto ser agressivo, me sinto mal, mesmo. Detesto ficar de
climão com alguém, e pensando nisso como uma carta de despedida... eu preciso
te agradecer. Certo e errado é só uma questão de ponto de vista, e o que eu
escrevo é sempre a vista de um ponto. De onde eu to. Talvez num todo eu esteja
fazendo tempestade em copo d’água. Se visto de longe, mesmo, os humanos são só
formiguinhas egocêntricas, e eu gosto de pensar assim pra me por no devido
lugar.
Obrigado pelos dias em que eu não passei em branco, seja por estar te
ouvindo ou por te contar minhas coisas, sejam histórias de vida ou o quanto eu
tive sono naquele dia. Obrigado por me fazer pensar mais, por me fazer querer
ser mais interessante, por me fazer querer estar bonito, por me deixar mais
sensível, por me fazer entender as letras de música que antes não faziam
sentido, por ter me dado um motivo pra viver um pouco mais feliz. Muito
obrigado, mesmo que nada disso tenha sido consciente. Eu agradeço demais pelos
textos que tu me inspirou a escrever, fazia tempo que não escrevia com tanta
frequência. De fato são eles os frutos entre eu e tu. Valeu pela dica de filme
que eu achei ruim, mas me apropriei porque fez parte da minha vida. E o mesmo
contigo: por esse tempo, muito pequeno, tu fez parte da minha vida e então eu
já não sou mais como antes. Nem tu. E isso é invariável. Virou fato.
Agora eu pego os apelidos que eu te dei, as piadinhas internas –
maioria sem graça, as pipocas, a mocinha, as baratas, sei lá que mais, e boto
numa caixinha, que por enquanto fica ali do lado da minha cama. Aos poucos, na
pressa dos dias, eu vou jogando as roupas usadas por cima; por comodidade
guardo uma ou outra coisa em cima, e isso vai ficando cada vez mais ao fundo.
Mais uma vez, eu dando tempo ao tempo.
Obs.: Só que dessa vez eu não vou te mandar a carta, melhor deixar na
caixa, junto com o resto das coisas.
Viva bem, adeus.