domingo, 25 de novembro de 2012

a gente junto parece noite de ano novo

domingo, 7 de outubro de 2012

não me machuque

não me machuque.
                                não me machuque.

por favor,
                                                                                          não me machuque.

quantas vezes devo ter dito essa frase pra mim mesmo nesses últimos dias?
                                                  [mas no fundo eu sei que ele não vai ouvir.]
                  talvez eu tenha apenas dito isso pra mim mesmo: veja bem, não me machuque. não se machuque
sozinho. machucar-se a dois. aí então vale a dor dos joelhos a final de contas? porque nada se não o final é tão certo.

[mas do chão não passa!]

não passa!

                                              do chão não passa.
                                                       dor que não passa.
não passa.
não passa.
não passa.

         não esqueça de se lembrar, depois, que depois passa.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

eu me apaixonei por um homem morto


-Eu não posso gozar aqui. 
-Ok.
Ele encostou o rosto no meu, o calor da respiração esquentando meus ouvidos. Eu o sentia imensamente maior que eu. Eu não posso gozar aqui: ele sussurrou isso no meu ouvido em tom de segredo, e ao mesmo tempo cuidadoso e acanhado e carinhoso. Nunca choveu tanto numa madrugada só; talvez eu só não tenha me importado porque tinha os seus braços em torno. Nós nos conhecemos às onze horas da noite, ao som da minha melhor música no fone de ouvido, expondo minha fragilidade.
Nós nos conhecemos de olhos fechados. No escuro. Minhas mãos foram meus olhos enquanto apalpavam e me falavam sobre o seu corpo, sobre o seu rosto. Sobre seus pêlos por crescer. Não me lembro do rosto e nunca soube o seu nome. Inventamos um acordo tácito de amor no escuro, de amor sem futuro. De amor sem som que não nossas respirações ofegantes, ou no máximo os trovões e a chuva. Amor sem palavra. À meia noite nos apaixonamos, e tudo em volta dormia.
E tudo seria tão vulgar... E foi tão vulgar, mas não só tão vulgar. Quando pela primeira vez eu encostei minha mão esquerda na sua perna direita, ele se aproximou. Eu quase com medo do possível desrespeito com que ele fosse prosseguir, ou quase desejando isso. Ele colocou a mão direita sobre minha mão esquerda e só acariciou minha mão. Ele ergueu a mão esquerda e acariciou meus cabelos. Ele me disse:
-eu te amo, também.
Quem diria? Quem iria saber? Um homem como ele... Se não fosse a força dos acasos premeditados, eu não seria capaz de saber o que é coragem. Eu não ia saber que o amor tem mais um jeito de se tornar possível. Ao mesmo tempo, o mesmo amor. Amor de língua grande, lábios macios que mordiam meus dedos, cabelos finos e certamente loiros, barba grossa e curta de homem. Pra onde ele iria? Onde ele está?
Quando eu abri meus olhos, nós já nos conhecíamos. Nossos olhos gritavam a mesma coisa: uma ânsia por conhecer, sob a luz precária dos postes que passavam. Nós nos conhecemos em preto e branco, num filme antigo, com imagens em sequência. Ânsia por enxergar mais. Nós gritávamos em silêncio: 
-quem é você? 
-e como isso é possível?
E trocávamos promessas de amor eterno. Na força das nossas pupilas dilatadas. Às quatro da manhã nós dormimos abraçados. Ele era o meu dono. Ele não queria nada além disso: colocou sua mão direita sobre minha perna direita, eu abracei seu forte braço direito, como se me segurasse da tempestade em uma árvore com raízes firmes. Deitei minha cabeça em seu ombro e nós decidimos dormir, como tudo em volta. Ele dormiu antes, eu acariciava seu corpo e cuidava pra que nada mudasse. Ele dizia:
-eu sou o teu dono.
Às onze horas eu o conheci. À meia noite eu me apaixonei por um homem morto. Às quatro horas da manhã nós decidimos dormir abraçados. Às cinco da manhã eu o sepultei sem palavras, sem ressentimentos. Às luzes se acenderam e nós não nos vimos. Não éramos os mesmos sob a luz branca. Decidimos não nos olhar, decidimos deixar que fosse só uma bela história, que pudesse assim, durar pra sempre. Fui embora pra sempre com seu cheiro nas minhas mãos. 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

dia de chuva

amanhã é dia de amanhecer chuva. agora chove incessantemente, não há lugar pra tamanha vasão, e o que é líquido transborda e flui sem rumo, arrasta tudo que não presta, leva também um pouco do que se tinha de bom. não passa nada, é o que acontece. amanhã vai ter uma nuvem abraçando o sol, os meus olhos vão ter que fazer mais esforço pra partir do sono. mas "é preciso", é o que dizem sem saber, é o que dizem porque disseram pra dizer. e se eu perguntasse o porquê? então talvez eu choraria, porque não saberiam me responder. amanhã é dia de chuva. e não adianta o quanto eu tente, no final toda água respinga sobre o meu corpo. e eu deixo. no final, chuva e lágrima são a mesma coisa. no final eu vou seguindo frágil e desapontado, desmanchando mais uma armadura de papel que eu tecia com as folhas secas e manchadas. e quem sabe? e quem que saber? uma hora passa e sobramos eu, e o mundo, velhos novos conhecidos.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

vergonha das mãos


Era uma vez um menino que gostava de olhar pra mão de homens desconhecidos. Ele gostava de olhar os dedos, os tamanhos e as grossuras. Dos homens. Os feios, os apagadinhos, os musculosos. Os que ele mais gostava na verdade era dos homens asquerosos e dos bem vestidos. Não se importava se as mãos eram limpas ou se as unhas eram asseadas: contanto que ele pudesse tirar alguma informação das mãos. Não importavam alianças ou anéis, afinal era só uma brincadeira infantil. Mãos sujas e ásperas diziam sobre homens rústicos e fortes. Mãos tatuadas diziam sobre rebeldes sem causa. Unhas roídas diziam sobre homens inseguros e ansiosos.
Ele preferia manter suas mãos fechadas, ou geralmente usava mangas longas, de modo que suas mãos estavam sempre seguras. Pensava que as mãos diziam muito sobre os homens, em especial. Nunca se importou sobre as mãos femininas. Mão fala. Pessoas imponentes geralmente gesticulam, vide ditadores em discurso. Mas só as mãos masculinas indicam posse, ficam enormes e firmes, fazem qualquer coisa parecer frágil se estiver ao entorno de mãos de homens.
Conhecer a mão de alguém é sinal de intimidade, ele sempre soube disso. A mão direita, que oferecemos pra qualquer desconhecido, é a mesma mão que segura o pau na hora de mijar, que coça as axilas, que massageia os próprios pés. A mão que te conhece melhor que a tua cabeça, certamente te entrega mais que qualquer parte do corpo. Quantas mãos que não as suas você sabe descrever? Ele dizia sorrindo que conhecer as mãos de alguém é sinal de intimidade. 
Tinha uma preferência por dedos médios. Os maiores dedos da mão. Gostava especialmente de reparar o tamanho, a cor, o formato da unha e a espessura. Se tinha pelos, e como eram. Gostava também de analisar o tamanho que vai do início do polegar até o fim do indicador. Não se lembra se foi a professora de ciências que falou, talvez algum amiguinho na escola, mas o fato é que tinha ouvido que essa distância, e também o tamanho do dedo médio, eram o tamanho equivalente das genitais. Não importava se não fosse verdade, ele gostava de pensar nisso. Mas logo se distraía, às vezes ria sozinho, ao lembrar que os gestos manuais são sinais pejorativos: um significa 'foda-se' e outro aponta uma arma.
Pensava que uma arma de dedos, um dedo médio em riste, um pau e um homem eram, todos, no fim das contas, sinais pejorativos. E sendo assim, alertavam o perigo. E sendo assim, era melhor manter distância e continuar observando as mãos, imaginando e rindo sozinho. Fim.

sábado, 9 de junho de 2012

sobre voar


hoje eu fui tomar vacina da gripe, aqui em bnu tem várias pessoas doentes de h1n1... daí fui no sétimo andar de um hospital redondo, aberto no meio, assim... daí eu falei pra minha mãe: imagina cair daqui e la embaixo tinha uma mesa de madeira, tão pequeninha. daí minha mãe me disse que uma mulher se matou, depois de sair de uma consulta. ela tinha depressão. eu fiquei fascinado. olhava pra baixo e sentia meus pés e minhas mãos com fisgadas, um desequilíbrio, o corpo pulsando, todo vivo, sem controle assim, com os olhos brilhando. daí um cara do lado, conversando com a namorada dele: -tipo assim, ela deve ter se jogado e depois se arrependido, mas daí era tarde. e eu disse pra minha mãe, precisei falar: é lindo pensar que as únicas pessoas que tem o privilégio de voar de verdade são as suicidas, não acha? ela respondeu que não.
sabe, eu não vejo beleza num suicídio... eu vejo que a pessoa chegou num ponto de lucidez, de sobriedade que parece que chegou no limite da esperança. e é difícil ou impossível viver no mundo cru sem ter esperança. lindo isso, porque me faz acreditar na humanidade. todos que estão vivos só estão porque tem esperanças.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

esta é uma carta de despedida

Escuta. Escuta aqui. Eu preciso falar. Eu to precisando escrever. Tem muita coisa tua que ainda não desceu na minha garganta, ainda não sei digerir, e, de verdade, eu não quero. Eu quero vomitar isso no papel, não é de hoje. Que aí eu aproveito e tiro tudo que ainda tem de teu por dentro de mim. Eu queria começar por ontem. Só consigo pensar em amargo. Eu não quero ser teu amigo! Bota isso no teu cérebro juvenil. Eu realmente não quero ser teu amigo. Eu nunca quis, e chega de fazer o bonzinho, dessa vez eu vou pensar em mim e no que é melhor pra mim. Eu fiquei ali, que nem um idiota, chorando e passando aspirador, que aí eu podia chorar de soluçar, que aí ninguém ia me ouvir. Era igual aqueles filmes espanhóis, mulheres limpando a casa enquanto choram. Na verdade eu nunca vi isso num filme espanhol, mas era bonito demais, real demais, como num filme, e se fosse num filme, seria um espanhol.
Daí eu decidi sair de casa. Foda-se você, foda-se o que fosse acontecer, foda-se o tamanho da dor que eu fosse enfrentar. Que fosse de uma vez, e embora eu saiba e acredite veementemente naquela música que diz que tristeza não tem fim, pelo menos, desse dia em diante eu ia poder dizer: não chegou nem perto do amargo no meu peito naquela noite. Mas, acredite, o que eu senti em te ver, em ser ignorado, em te ver com outro homem, em ver a tua cara aparentemente dócil olhando pra mim e desviando o olhar, e pior, em ver esse teu rosto sem culpa diante tudo isso... o que eu senti foi bem menos do que eu pensei, não foi nem físico, provavelmente pela quantidade de blue lagoon que eu já tinha tomado. Nenhum calafrio, nenhum tremor, nada. Por essas e outras que meu lado racional decidiu nem te incluir na lista de pessoas que eu já amei.
Então é melhor baixar a bola, porque essa falsa modéstia aí não convence mais, nem essa autopiedade. Sei lá, só seria tão mais bonito se tu fosse sincero, se tu tivesse sido sincero, desde o começo. Eu não teria pensado nada disso de ti, ou teria omitido a maior parte por apreciar tuas atitudes sinceras. Talvez eu sofresse bem mais assim, mas talvez valesse mais a pena, talvez fosse menos vergonhoso pra ambas as partes, talvez a história que restasse no final fosse mais bonita e eu tivesse mais vontade de contar, depois de tudo.
Sei lá, sabe, para de aparecer na minha lista de contatos do chat no facebook. Dá um jeito, some. Volta no tempo e dessa vez quem sabe eu fosse menos imbecil por ter me permitido pensar que isso podia ser mais que uma cilada. Vaza, e me deixa com o meu velho vazio de sempre, que não se contradiz porque não diz nada, nunca.
Eu detesto ser agressivo, me sinto mal, mesmo. Detesto ficar de climão com alguém, e pensando nisso como uma carta de despedida... eu preciso te agradecer. Certo e errado é só uma questão de ponto de vista, e o que eu escrevo é sempre a vista de um ponto. De onde eu to. Talvez num todo eu esteja fazendo tempestade em copo d’água. Se visto de longe, mesmo, os humanos são só formiguinhas egocêntricas, e eu gosto de pensar assim pra me por no devido lugar.
Obrigado pelos dias em que eu não passei em branco, seja por estar te ouvindo ou por te contar minhas coisas, sejam histórias de vida ou o quanto eu tive sono naquele dia. Obrigado por me fazer pensar mais, por me fazer querer ser mais interessante, por me fazer querer estar bonito, por me deixar mais sensível, por me fazer entender as letras de música que antes não faziam sentido, por ter me dado um motivo pra viver um pouco mais feliz. Muito obrigado, mesmo que nada disso tenha sido consciente. Eu agradeço demais pelos textos que tu me inspirou a escrever, fazia tempo que não escrevia com tanta frequência. De fato são eles os frutos entre eu e tu. Valeu pela dica de filme que eu achei ruim, mas me apropriei porque fez parte da minha vida. E o mesmo contigo: por esse tempo, muito pequeno, tu fez parte da minha vida e então eu já não sou mais como antes. Nem tu. E isso é invariável. Virou fato.
Agora eu pego os apelidos que eu te dei, as piadinhas internas – maioria sem graça, as pipocas, a mocinha, as baratas, sei lá que mais, e boto numa caixinha, que por enquanto fica ali do lado da minha cama. Aos poucos, na pressa dos dias, eu vou jogando as roupas usadas por cima; por comodidade guardo uma ou outra coisa em cima, e isso vai ficando cada vez mais ao fundo. Mais uma vez, eu dando tempo ao tempo.
Obs.: Só que dessa vez eu não vou te mandar a carta, melhor deixar na caixa, junto com o resto das coisas.
Viva bem, adeus.

sábado, 5 de maio de 2012

Ponto Final

Acho que é uma das primeiras vezes que eu falo de ti com um sorriso no rosto. Claro, desde o tempo que a gente se afastou. Fica tranquilo, eu omiti tudo de ruim, só falei as coisas que são boas de se falar. A tormenta e as angústias... não importa. A gente só lembra do que quer, hoje eu quis pegar leve comigo. Lembrar já é um pouquinho 'contar uma mentira'. Pra si mesmo. Sem falar nada. E hoje eu fiz questão de mentir, mentir gostoso, pensando só no que foi verdadeiramente bonito na gente. A GENTE. Nunca tinha 'a gente'. Eu sempre cuidei de ti. Eu sempre cuido dos caras que eu gosto, de alguma maneira eu suporto, de alguma maneira a minha intensidade fica forte como concreto, e eu suporto, eu sou a barragem de um rio em declínio. Porque os caras que eu gosto são geralmente ímpeto sem controle, e eu suporto. Eu vejo nos olhos, eu escolho alguém que vai me deixar cansado, que vai me fazer ter que usar a força que eu tenho dentro de mim. Eu suporto. 
Daí eu percebi que pela primeira vez eu senti saudade de ti. Não era do teu corpo, era de ti. Do teu jeito, o cheiro da tua casa sempre desarrumada, fechada por causa do frio, cheiro de lugar fechado, cheiro do teu quarto com sono, cheiro do teu sono. Eu tentei pensar em alguma coisa tua que ainda tivesse comigo. Fiquei de cara, não tem nada que fosse teu, que tivesse tocado tua mão, teu rosto, teu cabelo, nesse meu quarto pequeno. Aquela coberta manchada com a tua porra era uma lembrança, aquela coberta eu botei fora. Era um jeito de lembrar de ti, mas eu botei fora. Eu olhava a mancha, lembrava demais. A empregada sempre achou que era pasta de dente. Ela entrava no meu quarto e eu olhava e ria, ela perguntava o porquê e eu não poderia dizer -a mancha que você tanto reclamou é porra. Porra. Porra, não tem nada teu aqui.
Tem uns fatos na minha vida, que se eu não conto pra alguém, é como se eles não tivessem existido. Por não contar eu vou esquecendo, só lembro do que eu quero. O meu passado parece muito mais bonito assim. A carona com o desconhecido, o meu amor louco com por um drogado, meus dias penosos nos postos de saúde, meu dia de party monster em Joinville, as caminhadas de três horas pela cidade de madrugada. Algumas coisas são verdades, outras não, mas de tanto eu contar e visualizar as imagens, fazem mais parte de mim do que uns fatos tediosos. Taí, deve ser por isso que tu parece tão distante de mim... Algumas mentiras são mais presentes na minha vida do que foi a nossa verdade.
Eu abri meu armário, o armário que tu nunca viu, com a fissura daquele tempo. Aliás, será que tu já deitou nessa cama? Talvez hoje eu durma menos vazio, talvez eu durma melhor, abraçando a lembrança da tua anatomia na minha cama. Peguei um shorts preto, meu, que tu costumava usar. Aposto que tu não ia reconhecer. Fiquei segurando. Ele ficava muito mais preenchido em ti. As minhas coisas ficavam muito mais preenchidas em ti. Eu também. 

domingo, 22 de abril de 2012

sobrecorrer

To com uma vontade de sair correndo. Me perguntaram o porquê. Fiquei imensamente feliz em poder responder. Porque eu gosto de correr. Dessa vez eu não quero fugir. Porque eu gosto de correr. Eu gosto da dor que faz o baço, eu gosto do ardido que desce pela garganta a cada respiração. Gosto de lembrar que minhas pernas doem onde eu nem imaginava que poderia doer. Na verdade, eu gosto de sentir vivo. Eu gosto do suor, do coração pulsando, reverberando até nos fios do cabelo. Dessa vez eu não queria não me atrasar. Porque eu gosto de correr, sem nada a perder. No fim eu tenho pouco a perder. No final tudo se acaba, e se acaba, acaba bem. Eu corro e deixo todas as coisas pra trás. Eu deixo meu trabalho, minha faculdade, deixo minha família, deixo minhas células mortas e a água que o meu corpo expele. No fim eu tenho pouco a perder e o mundo todo na minha frente. Dessa vez eu não quero não ser visto. Eu corro porque eu gosto de correr. Eu corro cru, sem pensar, corro pra chegar na liberdade. Chegar na liberdade e empurrar pra longe por lembrar que eu corro porque eu gosto de correr e é só isso. Eu corro como uma árvore, como o mar e como o vento. Sem pudor, sem razão, sem explicação; descaradamente violentamente intensamente cru. E no fim eu tenho um pouco mais e um pouco menos de vida.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

céu

Tem um céu no fim do teu nome. É pra lá que eu caminho entre eu e tu, sempre mais longe e mais rápido e mais entregue. Cada letra mais entregue. É de lá que eu me jogo quando te encontro, no céu, no fim do teu nome. Passo o dia, a semana numa queda-livre, esperando te encontrar e subir no teu nome até o céu. Você não sabe a angústia de estar sem chão.

domingo, 8 de abril de 2012

nós plantamos bananas

Nós plantamos bananas.
Todo e cada ser humano tem uma banana pra si.
Não importa o tipo, qualquer coisa.
Cada um é uma banana na fruteira.
Nossas bananas amadurecem. Já é hora.
Nós queremos pássaros por perto. Nós cegos queremos o som e nós surdos queremos as cores. Nós sensíveis queremos seus olhos brutalmente livres.
Já é hora de descascar a banana, sair da casca, desnudar, adentrar, expor o sensível.
Então é hora de estar aberto, em um pé de árvore, em pedacinhos ou não. Padecemos por nossas bananas!
Nossas bananas encontram os pássaros. E a plenitude se rompe na dança do pássaro e sua banana.
Morte: a tendência de todas as coisas. Nossas bananas não duram pouco mais de uma semana.O que as transborda de razão em viver também as mata sem pudor: alimentar um pássaro é apodrecer entre bicadas e saliva.
O amor de nossas bananas e os pássaros.
Dura pouco.
O amor
Dura pouco.
Nós plantamos bananas, nós queremos pássaros por perto, nós tendemos à morte, nosso amor dura pouco.

dor de cabeça

medo de não pertencer
medo de mudar
medo de não dar certo
medo de não mudar
e a dor de cabeça

terça-feira, 3 de abril de 2012

espero

bom dia, meu bem, meu querido.
como estás? me conte sobre o teu dia.
espero que tenhas um ótimo dia.
espero que a tua tarde não seja tão quente ou tão triste
porque eu espero que fiques bem.
boa noite,
e dorme bem,
e acorda bem,
e fica bem,
e se alimenta bem,
e se cuida bem
e se cuida, tá?
e bom dia
e bons dias
e boa semana
e bons meses
e bons anos
eu espero que você tenha bons anos.

_
eu espero que você não sinta a angústia que sinto ao te querer bem e parecer convenção.

bom dia, fica bem, se cuida.

reverberar

agora o coração dança sem solavancos. reverbera essa plenitude que de tão grande faz o peito ficar maior que o mundo. a carne é de algodão branco. pele e cabelos cansados, o corpo pede descanso e pouco importa. eu fecho meus olhos pequenos, inspiro e me permito reverberar. leve tal qual algodão, me permito reverberar.

quarta-feira, 21 de março de 2012

adentrar

Em 2 ou 3 dias, sem perceber. Hoje eu vi que não é mais a tua aparência que me ganha. Em dois ou três dias não são mais os teus olhos que eu busco lembrar pra mim. O teu jeito triste e deslocado me diz mais de ti, hoje, e vão além dos olhos e pra dentro. Como um líquido em rachadura, a persistência é imbatível e certa hora, dois ou três dias, a rocha cede, o líquido adentra. A rocha cede porque quis ceder. Adentrar: é o que eu espero das pessoas que me saltam aos olhos. (À)dentro.

domingo, 18 de março de 2012

o homem esquece

1. é bom passar um tempo sem ter tempo pra pensar
2. me conforta saber que só se sente uma dor de cada vez
3. em dias muito tristes, é normal esquecer-se completamente do que é felicidade
4. ítem anterior vale pra quaisquer sensações opostas. amor e ódio, nojo e atração, taquicardia e letargia.
4.1. isso porque o homem esquece

porque o homem esquece

esquece

sábado, 17 de março de 2012

cão de rua

Eu queria derreter e me enfiar num buraco. Daí no buraco eu queria tentar entender que diabos acontece comigo. Sabe um sonho? Sei lá, sonho é pretensão. Sabe um sonho? Eu queria ser normal, a ponto de no mínimo as pessoas lembrarem da minha voz. É pouco, eu sei. Eu nem sei, talvez eu imagine, mas nem sei certamente que que me deixou tão arisco ao contato humano. Hoje eu sou um cachorro de rua, que se é notado mostra os dentes e afasta até folha seca no vento. Travado, total. Cheio de tensão. Cheio de sarna, assim. Leal, como todo cão, quando vale o esforço de conquistar. Mas cão de rua nunca vale o esforço de conquistar, se não tiver o mínimo de porte. Assim vai, uivando sem som e sem sono por dentro dele mesmo. Assim vai.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

de novo


Choveu aqui. Eu nem percebi, acho que tudo já parecia meio aguado na minha visão mesmo antes da chuva. Os meus olhos andam tão vermelhos e apagados, e olha, eu sempre gostei tanto da maneira como meu olho fala... e agora eles parecem um pouco quietos. Não to gostando muito de olhar no espelho. Mas choveu, na janela tem um cheirinho bom de grama, o mato tá tão verde, com várias gotas nas folhas, cheio de vida, eu fiquei com um pouco de inveja mas me senti contente por ter notado... a gente sabe que quase ninguém nota essas coisas. Amanhã eu vou tentar, sair de casa. To precisando, tomar um ar, botar luz nesses olhos. Talvez eu não consiga de primeira, é por isso que Deus inventou o depois-de-amanhã. Pra eu poder ter uma outra noite de silêncio e ar fresco no rosto, só eu e sem luz e sem pressa. E amanhã à noite eu posso dizer que amanhã eu vou tentar de novo...