domingo, 28 de novembro de 2010

ele precisa viver

Há mais de uma hora acordado. A cama e as coisas continuam da mesma forma, como se ainda dormisse(m). Ele continua da mesma forma, como se nunca tivesse dormido. Porém nessas ocasiões é quando costuma sonhar mais que qualquer um. Andando em linhas retas e treinando diálogos que não vão acontecer, ao fundo o som do tempo que passa nos motores dos carros. Seu prazer dura pouco, e por tantas repetições seria chamado de doente caso não estivesse sozinho. Ele acredita que ser feliz é como sentir aqueles dois segundos de prazer, em tempo ilimitado. Engano. As cortinas e janelas continuam fechadas. Ele está preso nele mesmo e ele mesmo é a junção de fragmentos dos outros. Então ele está sozinho sem querer. Mantém os olhos abertos porque o sol invade impiedoso qualquer fresta. E ele foi ensinado que quando o sol está, seus olhos devem estar atentos, mas não muito. O sol invade impiedoso qualquer fresta: isso o deixa de olhos úmidos, ele se torna um pouco menos morto. Ele sonha um dia ser uma fresta invadida pelo sol. Vai até a janela às vezes, tomando cuidado pra nunca ser visto. Empurra a cortina pra conseguir ver mais de ‘lá de fora’. Olha com brilho nos olhos, é o que o sol causa. Ele se torna um pouco menos morto. Não entendo como ele consegue admirar as cores, as imagens de ‘lá de fora’. Mas ele olha como se admirasse um quadro impenetrável, ao qual ele não está contido. No fundo sabe que a arte impenetrável é ele mesmo e o mundo é só aquilo tudo que nossos olhos nem reparam. Me pergunto como conseguiu passar tantos anos em si mesmo a ponto de acreditar que o contrário poderia ser verdade. Sabe que quando o ‘barulho do tempo nos motores dos carros’ passar, ou ao menos diminuir, vai estar perto do fim. Ele vai esquecer as sutilezas e vai ser uma pessoa normal, assim que destrancar a porta e abrir o trinco enferrujado.

sábado, 27 de novembro de 2010

crônico

Sabe eu passei algum tempo no espelho me perguntando coisas na cabeça. Talvez eu pensasse que o espelho pudesse me responder. Eu saí de lá e tentei esquecer mas eu não conseguia. Eu não conseguia porque eu continuei olhando pra mim. Parece besteira mas eu não consigo mentir. Eu acredito que esse seja o meu problema. O que eu não consigo acreditar é como se pode arranjar problema sendo sincero consigo e com os outros. Porque a verdade só deveria trazer coisas boas. Daí eu me lembro com um riso sem saída que ninguém nunca disse que as coisas naturais deveriam ter lógica.

Eu queria estar em casa. Onde quer que seja minha casa. Eu queria me desarmar completamente pelo menos uma vez eu queria me ajoelhar e deitar a cabeça no colo da figura materna. E chorar. Eu sinto falta da minha mãe. Mãe, me diz? Mãe, me explica?

- Explicar o quê, meu filho?

- Eu pedi primeiro, mãe. Eu não sei, mãe, eu não entendo. Eu não sei de tanta coisa que eu não sei nem do que é que eu não entendo. Por que isso por que tudo? Por que que eu não entendo e por que que eu preciso entender? A maior certeza é a de não entender e a pior certeza é a necessidade tentar. Eu me pareço um babaca que de tanto pensar esqueceu.

- Mas cala a boca agora. Amar seja qual for a forma de amor é sofrer e sentir dor. Vive os teus dias e esquece. Mas tu é burro, então esquece e vive teus dias, cheio de pergunta e sofrendo até a morte.