domingo, 13 de fevereiro de 2011

a roseira e o dente

Descobri uma roseira aqui atrás da janela do meu quarto, em Blumenau. Engraçado, eu to passando minhas férias aqui e não tinha notado ela, ali, o tempo todo. Eu to pensando demais em mim. Não, isso é só uma constatação, eu não vejo como um erro ou um acerto, porque todo mundo tem argumentos prontos contra os extremos, daqueles que só saem da boca e todo sub-consciente já conhece e já concorda. Se duvidar, a boca do ouvinte do discurso pronto pode até completar um desses quando pela metade. E seria exatamente igual, palavra por palavra.
Mas, ai, eu não quero me perder por aqui, ler alguma coisa sem sentido e deletar tudo e esquecer que eu to precisando escrever não é de hoje. Eu to precisando escrever não é de hoje e eu tenho pensado muito em mim, acho que fica claro que essas duas sentenças são bem complementares. E pra não me perder, melhor, pra me achar e fazer sentido, eu vim escrever sobre mim porque consegui me desvendar um pouquinho através do meu olhar triste sobre uma roseira. Eu me sinto como alguém que puxa um fino fio de uma toalha de mesa grande diante de algum detalhe simples e completo que a vida apresenta num cantinho do quadro que eu pinto todos os dias pelos meus olhos que são meio castanhos, meio verdes, é que depende do dia, da hora, da irritação ocular.
Antes de continuar eu só preciso constatar que queria ser assim verborrágico pessoalmente também, mas o que sobra é um silêncio de alguém incompleto, pronto a todo momento pra ouvir a frase que vai encaixar tudo no lugar, que vai dar sentido pra vida inteira. Daí ele vai ser feliz. Ai, ele sou eu, num conto bonito de livro em que nem tudo é verdade e acontece como descrito.
Mas eu vim aqui pra contar do detalhezinho bonito que eu enxerguei hoje: talvez ela tenha 15 centímetros, galhos secos, e tá decepada, mutilada. Eu não achei triste, pelo contrário, gostei da capacidade de ser real que a roseira feia tem. Eu só entendi que era uma roseira pelos espinhos nos dois galhos, marrom-morte. Tem aquela frase, ‘num deserto de almas, uma reconhece a outra’ e por aí vai, eu acho que me senti assim com a roseira, ela me sugou os olhos e eu só gostava de olhar pra ela. A gente partilhava mesmas coisas. Tem algo, em ambos, que denuncia uma beleza tardia, efêmera, que deixa marca nem sempre agradável. Os espinhos me diziam rosas. O que sobra hoje é seco. Não é triste, é seco. Não é morto, porque ainda sente a chuva.
Chuva que por sinal passou por aqui, daquelas de verão, muito barulho e cenário pra pouca existência do que se teme. Gosto de boas apresentações, creio que valorizam o que se é em essência. Boas ou más apresentações. Gosto de extremos, combatidos automaticamente pela inércia da maioria insensível. Mas eu gosto, me dou bem com as extremidades uma vez que não me mantive no centro, das atenções, dos olhares. Gosto de força, de temperamento, de tempero...
Enquanto chovia eu fui à janela impetuosamente, sem medo de que a chuva molhasse o meu quarto, um cuidado que eu normalmente prezaria. Me inclinei, aspirei com força e mais de uma vez, daí eu senti o cheiro da grama molhada. Isso me deixou bem vivo. O cheiro, as lembranças da grama cortada na escola, a chuva na pele normalmente me deixaria mais sensível, eu olhava a roseira e só conseguia ser como ela, com uma fúria de vida que há tempos eu não via. Naquele momento, nós éramos mais fortes que o resto do mundo.
Sem indagações eu aprendi com a roseira. Ela está seca, e talvez isso dure mais algum tempo, alguns meses, alguns anos. Mas enquanto a chuva existir vai haver vida também, pra ela. Em busca das rosas de outrora, ou do novo que possa surpreender. Em busca: isso é mais definitivo.
Algumas outras vezes eu abria a janela sem dúvidas, sentia o frescor da tempestade passada, até quando decidi manter a janela aberta. Não me preocupo com danos se isso me trouxer mais vida. O cheiro agora mistura a chuva, a grama, e o esgoto ali perto. Eu me lembro que a plenitude, mesmo parecendo a maior grandeza da vida, é por certo um detalhe efêmero. Um dente-de-leão, ao vento. Um daqueles ali, que só percebi depois diante da vulgaridade ao lado da roseira imponente. Ele percebeu, depois de algum tempo, que agora se parece mais com um dente-de-leão: livre – e ciente do que é ser livre. Segue ao vento, sozinho, rápido e vivo, dure o tempo que durar. Até que chega ao chão, segundos depois, ou mais. Quando o fim simboliza o recomeço. Ele agora está só e ao vento, ele agora está pleno.