segunda-feira, 16 de julho de 2012

vergonha das mãos


Era uma vez um menino que gostava de olhar pra mão de homens desconhecidos. Ele gostava de olhar os dedos, os tamanhos e as grossuras. Dos homens. Os feios, os apagadinhos, os musculosos. Os que ele mais gostava na verdade era dos homens asquerosos e dos bem vestidos. Não se importava se as mãos eram limpas ou se as unhas eram asseadas: contanto que ele pudesse tirar alguma informação das mãos. Não importavam alianças ou anéis, afinal era só uma brincadeira infantil. Mãos sujas e ásperas diziam sobre homens rústicos e fortes. Mãos tatuadas diziam sobre rebeldes sem causa. Unhas roídas diziam sobre homens inseguros e ansiosos.
Ele preferia manter suas mãos fechadas, ou geralmente usava mangas longas, de modo que suas mãos estavam sempre seguras. Pensava que as mãos diziam muito sobre os homens, em especial. Nunca se importou sobre as mãos femininas. Mão fala. Pessoas imponentes geralmente gesticulam, vide ditadores em discurso. Mas só as mãos masculinas indicam posse, ficam enormes e firmes, fazem qualquer coisa parecer frágil se estiver ao entorno de mãos de homens.
Conhecer a mão de alguém é sinal de intimidade, ele sempre soube disso. A mão direita, que oferecemos pra qualquer desconhecido, é a mesma mão que segura o pau na hora de mijar, que coça as axilas, que massageia os próprios pés. A mão que te conhece melhor que a tua cabeça, certamente te entrega mais que qualquer parte do corpo. Quantas mãos que não as suas você sabe descrever? Ele dizia sorrindo que conhecer as mãos de alguém é sinal de intimidade. 
Tinha uma preferência por dedos médios. Os maiores dedos da mão. Gostava especialmente de reparar o tamanho, a cor, o formato da unha e a espessura. Se tinha pelos, e como eram. Gostava também de analisar o tamanho que vai do início do polegar até o fim do indicador. Não se lembra se foi a professora de ciências que falou, talvez algum amiguinho na escola, mas o fato é que tinha ouvido que essa distância, e também o tamanho do dedo médio, eram o tamanho equivalente das genitais. Não importava se não fosse verdade, ele gostava de pensar nisso. Mas logo se distraía, às vezes ria sozinho, ao lembrar que os gestos manuais são sinais pejorativos: um significa 'foda-se' e outro aponta uma arma.
Pensava que uma arma de dedos, um dedo médio em riste, um pau e um homem eram, todos, no fim das contas, sinais pejorativos. E sendo assim, alertavam o perigo. E sendo assim, era melhor manter distância e continuar observando as mãos, imaginando e rindo sozinho. Fim.